Mercado

Rumo oferta R$ 6,95 bi para incorporar ALL

O grupo de energia e logística Cosan formalizou ontem sua proposta de fusão entre a Rumo, sua subsidiária de transportes, e o grupo de ferrovias América Latina Logística (ALL) – conforme antecipou o Valor. Caso seja aprovados pelos acionistas controladores de ALL, o plano cria a maior empresa de operação logística de cargas do país – considerando um valor de mercado resultante de R$ 11 bilhões e um Ebitda anual superior a R$ 2 bilhões.

No futuro, a “Nova ALL” ou Rumo-ALL, como passou a ser chamada a companhia resultante, com uma estrutura de capital bem mais fortalecida e novos acionistas, poderá atrair mais sócios ao seu capital. Isso deverá permitir a empresa fazer investimentos além do dobro do que foi realizado nos últimos anos.

O mercado recebeu bem a proposta, mas ainda aguarda mais detalhes de como será a atuação da nova empresa e de seu nível de governança. Após o anúncio, feito pela manhã, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) chegou a suspender a negociação de ALL, pedindo mais esclarecimentos. Depois da liberação, o preço disparou e a ação fechou o dia com valorização de 8,74% sobre o fechamento de sexta-feira, cotada a R$ 7,09. Foi a maior alta do Ibovespa, que subiu apenas 0,03%.

A operação considera um valor de mercado de R$ 4 bilhões para a Rumo e de R$ 6,95 bilhões para a ALL, equivalente a um preço implícito de R$ 10,184 por ação da ferrovia. O valor representa um prêmio de 57% sobre o preço de fechamento anterior ao comunicado (sexta-feira). Também é 32% acima da média da ALL nos últimos seis meses.

O presidente do conselho de administração da Cosan, o empresário Rubens Ometto Silveira Mello, disse ao Valor que um grande plano de investimentos em logística está sendo detalhado. “Certamente, o projeto da nova empresa vai significar muito mais que o dobro do que vinha sendo investido pela ALL”, afirmou. A empresa vinha aplicando em torno de R$ 750 milhões anuais em sua ferrovia – diretos e em manutenção da malha.

O empresário também se mostra otimista, desta vez, sobre a aceitação de todos acionistas da ALL sobre a proposta. No ano passado, uma outra oferta da Cosan, de compra de participações de três acionistas, foi negada pelos fundos de pensão e BNDES que estão no controle da ALL. “[Agora] Trata-se de um ´deal´ (acordo) bom para os dois lados. Estamos confiantes de que os acionistas e o conselho da ALL vão aprovar a proposta”, afirmou Ometto, que dá mais um passo para consolidação da Cosan como um grande player de logística e de energia.

O documento apresentado ontem pela Cosan propõe que a ALL seja completamente incorporada pela Rumo. Para isso, a Rumo terá que abrir capital e ser listada em bolsa, no Novo Mercado, conforme exigem as regras do mercado de capitais nesses casos. A abertura está prevista para ocorrer ainda neste ano, informou o presidente da Cosan, Marcos Lutz, em teleconferência com jornalistas ontem.

No processo de abertura de capital, a Rumo receberia todos os acionistas atuais da ALL – controladores e os minoritários -, que terão em conjunto 63,5% da Rumo-ALL. Os outros 36,5% da empresa ficariam com os acionistas atuais da Rumo.

Detalhados, os números mostram que a Rumo-ALL terá como maior acionista a Cosan, com 27,4% do total. Os fundos Gávea e TPG teriam 4,6% cada um e ficariam impedidos de vender ações por um determinado período (o chamado “lock-up”), ainda não divulgado. Dos 17 membros do conselho de administração, 9 serão eleitos pela Cosan. TPG, Gávea, BNDES, BRZ, Funcef, Previ, o casal Arduini e Wilson Delara terão um membro no conselho cada um.

A proposta foi enviada ontem a todos os acionistas controladores e será submetida à aprovação no conselho de administração em até 40 dias. São necessários 75% das ações – Arduini e Delara, acionistas de referência da ALL, que negociaram a fusão, têm 53%, E contam com sinalização favorável do BNDES, com 16,6%. Com a adesão de Previ (6%) ou de Funcef (5,7%), garantiriam aprovação. Mas o objetivo é ter a unanimidade, incluindo o fundo BRZ ALL (18,6%), disse ao Valor fonte próxima da operação.

Com a divulgação da oferta vinculativa da Rumo e seu detalhamento, acredita-se que todos os acionistas do bloco de controle vão entender melhor os ganhos da fusão. De imediato, a Rumo, uma grande geradora de caixa, adiciona entre R$ 350 milhões e R$ 400 milhões de Ebitda. A própria ALL prevê mais R$ 300 milhões de Ebitda este ano com conclusão de investimentos em Rondonópolis (MT) e aumento de preços de fretes. O principal investimento é a conclusão da duplicação do trecho Itirapina (SP) a Santos, elevando a capacidade de transporte, tanto para açúcar quanto para grãos.

O próximo passo, aceita a proposta da Rumo, será convocada assembleia geral – para 30 dias depois (por volta de 5 de maio), para votar a incorporação. Em seguida, o negócio passará pelos crivos da ANTT (agência reguladora) e do Cade, órgão antitruste. Esse processo pode levar três meses.

Para analistas, o prêmio oferecido na transação é positivo. Para eles, o mercado tende a reagir bem nos próximos dias. Outro ponto destacado é que a ALL fica mais próxima de ter um “dono” – no caso, a Cosan. “Hoje, a empresa tem donos, mas não são muito ativos no negócio. Com a Cosan, a companhia passa a ter mais poder no mercado e perante o governo”, disse um analista do setor que prefere não ser identificado.

Victor Mizusaki e Rodrigo Fernandes, do UBS, lembram que a Cosan não forneceu qualquer detalhe a respeito das sinergias geradas com a fusão. No entanto, acreditam que integração operacional pode resultar em ganhos rápidos com otimização de ativos para transportar açúcar, etanol e grãos.

O mercado, no entanto, ainda tem algumas dúvidas sobre o conflito de interesses entre ALL e Cosan. Os executivos do grupo sucroalcooleiro, questionados sobre isso, no transporte de açúcar e outras cargas, informaram que será criado um Comitê de Partes Relacionadas, no qual a Cosan terá só um representante, e não votará, de um total de cinco, com maioria dos acionistas financeiros.

Os diretores da Cosan avaliam que há um componente fundamental para sustentar o plano de negócios da “Nova ALL” daqui para frente: a renovação dos prazos de concessão da companhia ferroviária. Hoje, a empresa tem quatro concessões, sendo que três vencem entre 2026 e 2028. Uma delas é a Malha Paulista – que inclui a linha que leva cargas até o porto de Santos, o principal do país, desde o Centro-Oeste.

Em troca da renovação dessas concessões, uma medida que é uma opção do governo, a nova empresa está disposta a adicionar investimentos não previstos em contrato para fortalecer a operação. Para isso, estão previstos inclusive novos sócios. “Podemos fazer uma emissão [de ações] e trazer um investidor estratégico”, disse Lutz. Além do investidor estratégico, o papel do BNDES com os tradicionais financiamentos de longo prazo também será primordial nos futuros planos da nova companhia.

Essa é a segunda tentativa de entrada de Ometto no capital da ALL. Em agosto, naufragou a proposta pela qual pagaria quase R$ 1 bilhão por 5,6% do capital total (49% no bloco de controle).

Agora, o motivador foi um contrato operacional entre Rumo e ALL, que acabou gerando uma disputa judicial entre as duas empresas, com acusações de não cumprimento das cláusulas do acordo, principalmente da parte da Rumo. A ALL pediu o rompimento em outubro e recorreu à ANTT para pedir perícia no sistema Santos, incluindo as instalações (terminal de embarque) da Rumo no porto de Santos.

A combinação de Rumo-ALL, que pode atingir valor de R$ 17 bilhões a R$ 20 bilhões, pois há avaliações acima de R$ 4 bilhões para a Rumo, foi conduzida pela Estáter, de Pércio de Souza. Ele foi contrato em novembro pela ALL para buscar, inicialmente, uma solução para a briga. Caso o plano de criação da “Nova ALL” seja aprovado por seus acionistas, as disputas judiciais “morrem”, ou seja, deixam de ter sentido, informou a Cosan.

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