Mercado

Retrocesso na negociação entre o Mercosul e a UE

As negociações para um acordo comercial entre o Mercosul e União Européia estão andando para trás. Elas entraram na zona preocupante do impasse, sem que as últimas reuniões tenham apontado para qualquer evolução positiva das posições.

As discussões em Brasília entre representantes dos dois blocos terminaram exatamente onde começaram, sem avanços.

O cronograma para um acordo em outubro começa a se afigurar como inexequível. Novos encontros estão programados para Bruxelas no início de setembro e, até lá, espera-se uma definição política dos ministros dos blocos para destravar as discussões.

A falta de progressos se deve, em grande parte, às posições dos negociadores da União Européia, que apresentam novas posições e surpresas a cada rodada de negociação.

Com seus mandatos à beira do final e com seus novos sucessores escolhidos, a tática protelatória dos representantes do bloco europeu pode indicar que eles já não esperam um acerto até outubro e que um acordo seria mais representativo das posições dos países da UE se ele for sacramentado pela equipe seguinte.

Especulações à parte, o fato objetivo é que a desconfiança mútua, em vez de se diluir gradualmente ao longo das negociações, aumentou. Karl Falkenberg, chefe dos negociadores europeus, criticou a “falta de flexibilidade” do Mercosul.

Essa falta de flexibilidade se deve ao fato de o Mercosul, corretamente, querer ter uma visão global de perdas e ganhos com um eventual acordo e exigir que as ofertas fossem apresentadas em conjunto, e não uma a uma, como faz a UE.

As negociações, assim, voltaram à metodologia da discussão, um dos indícios seguros de impasse.

As propostas européias não são as mesmas a cada discussão e o Mercosul se recusa a apresentar melhorias nas suas saber que concessões gerais os europeus estão dispostos a colocar sobre a mesa. Chegou-se assim à situação kafkiana de que se discutem ofertas que não são oficiais, para que oficialmente elas sejam depois desmentidas.

A rodada de Brasília começou com alguma esperança de progresso. Os europeus teriam feito uma oferta de ampliação das cotas para as carnes bovinas para 300 mil toneladas, com possibilidades de estender o mesmo volume à carne de frango.

As tarifas dentro da cota seriam reduzidas, mas com a condição de que as exportações do bloco sul-americano só poderiam crescer à medida que o consumo europeu evoluísse.

Embora não fosse ideal, e a armadilha da congelamento das vendas precisasse ser desmantelada, a proposta concentrava-se em um ponto central para o Mercosul – o acesso a mercado.

As mudanças nas cotas entrariam em vigor logo após o acordo, o que indicava que a proposta da UE que motivou a interrupção das negociações em Genebra, de ampliar as cotas em 10 anos, havia sido modificada. Mas não era nada disso. Falkenberg disse que “a UE não fez nenhuma oferta”.

O Mercosul, por seu lado, indicou que aceitará a abertura em vários serviços, ampliou as ofertas iniciais e fará algum tipo de concessão nas compras governamentais , mas o chefe dos negociadores da UE disse que soube das propostas brasileiras pelos jornais – para todos os efeitos, elas não existiam.

Se a idéia dos europeus é entregar as negociações para a próxima equipe, o adiamento poderá não ser tão prejudicial como se temia, apesar de representar um retrocesso diante das perspectivas otimistas iniciais.

Os postos relevantes que se encarregarão dos acordos bilaterais e das rodadas globais de comércio na Comunidade Européia serão ocupados por pessoas que têm pouca simpatia pela política agrícola protecionista européia, como o inglês Peter Mandelson, ou não pertencem aos países que mais defendem subsídios e proteção (França e Alemanha), como Mariaan Fischer Boel, da Dinamarca, indicada como comissária da Agricultura.

Mandelson, que substituirá Pascal Lamy, foi secretário do comércio do Reino Unido, é crítico da PAC e seu país não se beneficia dos subsídios do bloco. De maneira geral, o conjunto dos comissários aponta para uma direção mais liberal e modernizante, o que pode beneficiar o Brasil.

O atraso nas negociações não é bom para o Mercosul, mas foi um imperativo da realidade diante de propostas movediças e insuficientes vindas da UE. Como alertou a Confederação Nacional da Agricultura, a rodada de Doha já sinalizou que haverá poucas mudanças importantes nas condições de acesso ao mercado, e essa batalha terá de ser pelo menos parcialmente ganha junto à UE na agenda bilateral. As chances de um acordo a curto prazo tornaram-se uma incógnita.