É com muito orgulho que observamos os olhos do mundo se voltando para o Brasil – o maior produtor de etanol do mundo – considerado líder no desenvolvimento de fontes alternativas de energia e no domínio de sistemas eficientes de produção de etanol. A valorização da bioenergia como fonte não poluente vem movimentando o mercado de ações, aguçado o interesse de investidores, provocando fusões, aquisições, mudando a realidade de muitas pequenas cidades do interior e mudando a cara do Brasil para o mundo.
Isso significaria dizer que o Brasil concentra maior quantidade de profissionais competentes e especializados nesse segmento de negócios. Porém, embora isso seja um fato, está longe de significar que aqui exista abundância de mão-de-obra.
Estudos realizados pela DBM revelam que o sistema de ensino brasileiro já não consegue suprir a demanda por profissionais qualificados. Segundo Eline Rasera, psicóloga, profissional da área de Captação de Pessoasde grande empresa do setor sucroalcooleiro, “a demanda por profissionais está crescendo rapidamente. As empresas investem no desenvolvimento de profissionais, mas o crescimento da demanda é mais rápido que o processo interno de formação de talentos, o que pode gerar um gap”. Eline acrescenta que “nesse setor cresce também a necessidade de profissionais com outros tipos de habilidades, além das técnicas, como visão de negócios, empreendedorismo e relacionamento pessoal, isso em qualquer nível, não apenas no gerencial”.
Conforme declarou Jeb Bush, um acordo entre Brasil e Estados Unidos provocaria um aumento significativo do investimento de empresas estrangeiras no país para ampliar a produção de etanol. Porém, esse é um movimento que já começou, mesmo antes de um acordo formalmente estabelecido. Segundo informações da Única – União da Indústria de cana-de-açúcar, 89 novas usinas serão construídas até 2012.
A questão merece reflexões. Se hoje não há profissionais qualificados em quantidade suficiente, imaginemos o que poderá acontecer com os crescentes investimentos anunciados para o setor.
É claro que o mercado de trabalho será afetado. A criação de novas usinas vai aumentar a concorrência por mão de obra qualificada e inflacionar os salários no mercado. Além disso, os concorrentes estarão não só no mercado local, mas há grandes possibilidades de concorrência externa também, a exemplo do que ocorreu com a Embraer, que no ano passado sofreu um “ataque” da Gulfstream, líder mundial na fabricação de jatos executivos. A concorrente americana aportou no país tendo como alvo 40 dos mais importantes engenheiros da empresa brasileira.
A falta de pessoas qualificadas é uma realidade do mercado de trabalho mundial e a concorrência global pelos melhores talentos também pode atingir o setor sucroalcooleiro na disputa por profissionais que, por sua vez, buscam empresas financeiramente saudáveis, que valorizem as pessoas, que ofereçam trabalho interessante e desafiador, reconhecimento por desempenhos superiores, recompensa por resultados, oportunidade de crescimento. Empresas que apresentam essas condições têm maior poder de atração e retenção.
A necessidade é de reter profissionais competentes e, além disso, multiplicar seus conhecimentos e habilidades pela organização. É preciso também acelerar o processo interno de formação e desenvolvimento das competências estratégicas para o negócio para compensar o que as organizações de ensino não estão dando conta de fazer.
Daí surgem algumas questões para reflexão. Como estão se movimentando as empresas do setor? Existe a preocupação com políticas de retenção de talentos? Existem ações de multiplicação dos conhecimentos concentrados em algumas cabeças, que poderão migrar levando seus conhecimentos e suas competências para a concorrência? Seus sistemas de gestão de pessoas estão adequados para enfrentar o que vem por aí?
*Denise Lustri, é mestre em Administração pela FEA-USP, especialista em gestão estratégica de pessoas, sócia da Quinto Fator, professora no MBA de Gestão Estratégica de Pessoas da FGV e no MBA de Administração de Organizações da Fundace. [email protected]