No tom, pelo menos, a política agrícola da França poderá atenuar o protecionismo quase visceral que tem sido a marca do atual presidente, Jacques Chirac. Mas, na essência, pode até piorar para o Brasil e outros exportadores se o candidato conservador Nicolas Sarkozy vencer as eleições presidenciais deste domingo e implementar de fato o que promete. Ele é favorito. E não cessou de repetir que faz o que diz.
Sarkozy, do partido de Chirac, quer aplicar o “princípio comunitário” no comércio exterior, que na prática significa frear importações. O mecanismo estabelece um gatilho para equilibrar o preço mundial e o preço europeu: se uma commodity brasileira, por exemplo, é exportada por US$ 500 a tonelada, e a européia por US$ 800, a Europa deveria então elevar a taxa de importação em 300% para frear o produto brasileiro.
Para ele, “a Europa já cedeu demais”. E seu plano é claro: “Quero que os agricultores franceses possam viver de seu trabalho com preços que lhe sejam garantidos numa Europa que faz a preferência comunitária”. Sua idéia é que a França e o resto da UE primeiro se abasteçam em seu próprio mercado interno de 27 países-membros, ao invés de importar de concorrentes externos mais baratos.
“É preciso que a Europa aceite a idéia da preferência comunitária. Se fizemos a Europa, foi porque a preferimos”, insistiu Sarkozy no debate com a socialista Ségolène Royal, anteontem, visto por mais de 20 milhões de telespectadores.
É com propostas como essa que Sarkozy tem a preferência quase total dos agricultores franceses, 92% contra 8% para Royal, segundo informou a Federação dos Agricultores Franceses (Fnsea).
Da extrema-direita à extrema-esquerda, os 12 candidatos que disputaram o primeiro turno tinham um ponto em comum: o protecionismo comercial, refletindo a queda de competitividade e o temor francês com a globalização.
Tradicionalmente, os agricultores votavam em Jean-Marie Le Pen, de extrema-direita. Desta vez, eles carregaram os votos no primeiro turno em Sarkozy. Com ele, querem uma mudança fundamental na forma, mas não na substancia da política do setor agrícola.
Jacques Chirac, como presidente, sempre foi um bom ministro da Agricultura, simbolizando o lobby do setor como nenhum outro grande dirigente no planeta.
A Comissão Européia não tem ilusões, dizem fontes em Bruxelas. Espera-se que, seja quem for o vencedor este domingo, Paris continuará freando a reforma da Política Agrícola Comum (PAC) e abertura européia na Rodada Doha.
Em Genebra, na Organização Mundial do Comércio (OMC), a exigência de preferência comunitária de Sarkozy é vista com preocupação. O artigo 133 do Tratado da UE de fato fala de preferência comunitária, mas vem de um período que em os países precisam harmonizar a tarifa externa comum. O mesmo artigo diz, mas Sarkozy não menciona, que os países precisam trabalhar para reduzir as tarifas progressivamente, e não subi-las, como ele defende.
Resta saber que mudança na política comercial precisam ser aprovada pela maioria dos países-membros da UE. E nem todos, especialmente britânicos e escandinavos, concordam com a concepção de mundo da França.
O comissário europeu de Comércio, o britânico Peter Mandelson, se encontrou três vezes nos últimos tempos com Sarkozy e nenhuma com Royal. Mas Sarkozy é direto: “É preciso acabar com a ingenuidade na negociação da OMC. É bonito abrir nossos mercados, mas com base em reciprocidade”.
Os dois candidatos querem mexer o menos possível nos volumosos subsídios. Os agricultores franceses receberam US$ 13,6 bilhões de subsídios europeus em 2006, o maior volume do orçamento agrícola europeu de US$ 67,7 bilhões.
Mas há nuances entre Sarkozy e Royal. O direitista é mais brutal para assegurar proteção. Num comício em Lille, atacou diretamente a comissária européia de Agricultura, Mariann Fischer Boel, por ela ter admitido que mais agricultores precisarão de uma segunda renda para sobreviver no futuro. “Não acredito em aposentadoria antecipada, mas se há uma pessoa na UE que seria boa idéia que se aposentasse logo, é ela”, reagiu Sarkozy. Para ele, o custo da PAC “não é injustificado nem excessivo”.
As associações de agricultores parecem entusiasmadas com as promessas do candidato, mas mantêm os pés no chão, pelo menos sobre a preferência européia. “Dizemos aos nossos membros que a idéia é bela, mas que precisamos ser realistas”, disse um porta-voz da Fnsea, Emanuel de Mange. “Para isso, seria necessário mudar os tratados europeus e comprar briga com o resto do mundo.”
Por sua vez, Royal defende uma política agrícola mais ecológica. Isso assusta os agricultores, que temem custos adicionais de produção, mesmo se ela acena com os subsídios da chamada “caixa verde” (autorizados pela OMC).
Além disso, a socialista, se presidente, terá de levar em conta a sensibilidade “alter-mundialista” que faz parte de sua base de apoio. Isso criará um endurecimento em relação ao agronegócio e às questões ambientais. Alfredo Valladão, do Instituto de Estudos Políticos de Paris, prevê críticas em relação à proteção da floresta amazônica e mesmo a promoção do etanol.
Os dois candidatos prometem volumosos subsídios para biocombustíveis, por exemplo com isenção total de impostos. Mas a socialista certamente impulsionará o projeto da Comissão Européia de estabelecer etiquetagem ecológica para o etanol, que significa produzir sem desmatar a floresta.
Quanto a Sarkozy, chegou a dizer no debate que não entendia como a Europa aceita importar de países que não assinaram o protocolo de Kyoto, porque isso trás concorrência desleal para as empresas francesas. Sua idéia é de aplicar uma “taxa de carbono”, o que compraria briga imediata com os Estados Unidos. Mas, como ele diz que faz o que promete, é só aguardar essa guerra comercial.