Pesquisadores do Departamento de Engenharia e Tecnologia de Alimentos da Unicamp identificaram que um fungo nativo e abundante que vive no solo do Cerrado brasileiro, que decompõe restos de plantas apodrecidas, pode ajudar o setor sucroenergético a se tornar mais competitivo na produção do etanol de segunda geração.
O microrganismo Acremonium strictum apresentou capacidade para degradar materiais ricos em carboidratos, como a palha de milho, o bagaço de cana-de-açúcar e até restos de podas de árvores.
Publicação da universidade lembra que um dos grandes desafios da produção do etanol 2G está na redução das etapas de tratamento da biomassa que demandam altos custos. Atualmente, grande parte das enzimas usadas nesse coquetel são importadas.
A levedura Saccharomyces cerevisiae, aplicada na fase de fermentação, não consegue metabolizar carboidratos complexos como a celulose e a hemicelulose. Com isso, é necessário incluir duas etapas prévias: pré-tratamento e hidrólise enzimática. As chamadas celulases têm como função romper ligações convertendo açúcares de cadeia longa em glicose que depois é transformada em etanol.
Enquanto o pré-tratamento tem como principal objetivo tornar os açúcares complexos presentes no bagaço da cana-de-açúcar (e outros resíduos agroflorestais) disponíveis ao processo de hidrólise enzimática.
Por meio de análises da estrutura do fungo silvestre foram identificadas 775 enzimas envolvidas no metabolismo e degradação de carboidratos complexos. Destas, duas foram escolhidas por seu potencial na degradação da celulose: a endo-glucanase e a beta-glicosidase. Em seguida, as pesquisas foram direcionadas para o desenvolvimento de novas linhagens de leveduras mais robustas.
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Segundo a Unicamp, ao combinar técnicas de genômica e de biologia molecular, os cientistas conseguiram fazer modificações na estrutura da Saccharomyces cerevisiae incluindo os genes de interesse isolados do fungo. Isso permitiu aumentar de forma considerável a eficiência da levedura na degradação da biomassa lignocelulósica, dando à ela um arsenal para a produção das próprias enzimas celulolíticas.
“Verificamos que nossa levedura engenheira da consegue quebrar a celulose em glicose e automaticamente fermentar em etanol. Trabalhamos com os resíduos de cana, mas qualquer resíduo lignocelulósico pode ser usado no processo, porque nosso objetivo é utilizar os genes que degradam a celulose”, explica Rosana Goldbeck, professora da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp e uma das inventoras da tecnologia, em entrevista à Agência de Inovação da Unicamp.
O projeto que teve financiamento público da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) não se restringiu apenas ao melhoramento genético das leveduras. A partir da pesquisa foi desenvolvido todo um processo integrado de sacarificação e fermentação simultâneas. “Com isso reduzimos o tempo e os custos da etapa de hidrólise enzimática, visando tornar o bioetanol 2G mais competitivo economicamente no mercado atual”, completa Goldbeck.
Vantagens tecnológicas
A modificação genética usou vetores para superexpressar as enzimas dentro da Saccharomyces cerevisiae. Para isso, foram aplicadas vetores de expressão auto-replicantes para levar os genes que contém a “maquinaria genética” de produção das proteínas até a levedura. O estudo gerou o depósito de uma patente e de um certificado de adição no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) que estão disponíveis para consulta e licenciamento no Portfólio online de Patentes e Softwares da Unicamp.
No primeiro invento, foram usados dois vetores distintos. Enquanto o segundo documento descreve um aperfeiçoamento no qual as duas enzimas foram clonadas em um único vetor. A levedura recombinante foi testada em temperaturas superiores à considerada ideal do processo. A engenheira de alimentos, Dielle Pierotti Procópio, comenta que essa propriedade facilita a fermentação para produção de etanol 2G.
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“Para a indústria essa capacidade é interessante porque é quase impossível manter uma temperatura controlada num tonel de milhares de litros, ainda mais quando falamos de regiões quentes como o interior de São Paulo, onde estão localizadas a maioria das usinas de etanol no Brasil”.
A nova tecnologia também surge como uma alternativa viável para reduzir o efeito de inibição enzimática provocado pelo substrato. Em altas concentrações, o produto da hidrólise enzimática pode ser tóxico para suas respectivas enzimas. Quando a fermentação e a hidrólise enzimática ocorrem ao mesmo tempo, no mesmo recipiente, evita-se o acúmulo dessas substâncias. As enzimas hidrolisam os polissacarídeos em açúcares e estes são imediatamente consumidos pela levedura para a produção de etanol. Com isso, a nova tecnologia também consegue reduzir a concentração de microrganismos contaminantes que podem afetar o rendimento da fermentação.
“Se a levedura consegue consumir açúcares maiores além da glicose, o processo de hidrólise não precisa ser tão intenso. Ele vai liberar os açúcares mais complexos, a levedura vai hidrolisar por si mesma, ganhando vantagem fermentativa em relação aos contaminantes que são atraídos pela glicose”, diz Dielle Pierotti Procópio, pesquisadora e inventora.