Introdução
Empedramento de um sistema granulado é o fenômeno da perda de sua fluidez, ou seja, de sua capacidade de escoar, originado pela “soldagem” dos pontos de contato entre os grânulos. No caso do açúcar, a “soldagem” é uma conseqüência da deposição de sacarose sobre a superfície dos cristais em especial nesses pontos de contato, devido a supersaturação da película de mel que o envolve. Numa situação de equilíbrio, a película de mel envolvente se apresenta saturada, podendo perder água para o meio intercristalino ou para a atmosfera por alguma razão, se tornando supersaturada, depositando então sacarose sobre o cristal até que o equilíbrio, ou seja, o estado se saturação volte a ser restabelecido.
O fenômeno contrário também é possível, ou seja, a película receber umidade do meio intercristalino se tornando sub-saturada, o que provoca a dissolução de sacarose do cristal até que a película tenha a sua concentração elevada e o estado de saturação seja novamente estabelecido.
Assim os fatores que predispõe o açúcar a empedrar são aqueles que possibilitam a troca de umidade do cristal com a atmosfera envolvente, sendo que esses fatores podem ser próprios do açúcar, como a sua umidade, sua temperatura, seu teor de açúcares redutores, sua granulometría, etc, ou dependente do armazém em que o produto está estocado ou ainda das condições da atmosfera.
O fenômeno da troca de umidade
A presença da água no açúcar aparece no fenômeno do empedramento em duas circunstâncias, sendo a primeira o seu valor absoluto e a outra que seriam o valor da a sua variação.
O mecanismo de variação da umidade do açúcar que pode provocar a deposição de sacarose sobre o cristal e o empedramento, está centrado na pressão de vapor da água, tanto na película de mel como na atmosfera que envolve os cristais, sendo que a água se movimenta dos locais onde a pressão de vapor é mais elevada para os locais onde ela é menor.
A pressão de vapor da água é maior quanto maior for a temperatura, a umidade do açúcar e quanto maior for a umidade relativa (UR) para o caso da atmosfera. Impurezas presentes no açúcar como açúcares redutores e sais tendem a baixar a pressão de vapor da película de mel, tornando-a, portanto, mais higroscópica.
Para um açúcar, em igualdade das demais condições, a umidade migra das porções mais quentes para as mais frias, ou das porções mais úmidas para as menos úmidas. Assim, podemos concluir que mesmo armazenado em condições ideais, um açúcar pode empedrar caso apresente porções com umidade, temperatura e teor de açúcares redutores diferentes, que pode provocar uma movimentação interna de umidade. A literatura indica que a perda ou abaixamento da umidade do açúcar em 0,06 pontos porcentuais pode provocar o fenômeno do empedramento e que essa migração interna de umidade é bastante critica no caso de armazenagem á granel.
Interação com a atmosfera
Mesmo quando o açúcar não apresenta nenhuma das condições que provoquem uma migração interna de umidade, pode ocorrer trocas hídricas entre ele e a atmosfera que o envolve.
Todo produto higroscópico como o açúcar, possui uma pressão de vapor de sua água, que sempre é inferior a pressão de vapor da água pura a mesma temperatura. A relação entre a pressão de vapor de sua água e a pressão de vapor da água pura, a uma dada temperatura, é comumente denominado Umidade Relativa de Equilíbrio (URE) ou atividade da água do açúcar, em geral expresso em porcentagem. A correlação entre a URE e a umidade do açúcar é denominada Isoterma de Umidade de Equilíbrio, sendo uma curva contínua e crescente conforme a Figura 1.
Figura 1. Isotermas de absorção de açucares de diversas polarizações.
Quando um açúcar é exposto a uma atmosfera ele pode perder, ganhar ou permanecer em equilíbrio com essa atmosfera. Caso a Umidade Relativa (UR) da atmosfera seja maior que a URE do açúcar, ele absorve umidade, caso contrário, ou seja, a UR da atmosfera seja menor que a URE do açúcar ele perde umidade para a atmosfera. Essas trocas de umidade entre o açúcar e a atmosfera envolvente se dão até que a URE do açúcar se iguale com a UR do ar que o envolve.
No geral, o açúcar quando sai do secador apresenta uma baixa atividade da água, pelo menos para a maioria das usinas do estado de São Paulo, girando os valores ao redor de 0,40 (40%). Nesses casos o produto dificilmente apresentaria problemas de estocagem caso o armazenamento fosse hermético e o produto não apresentasse gradientes de temperatura. Mas mesmo assim o empedramento caso ocorresse seria de pouca monta e os torrões de fácil desagregação.
A regra geral e que as amostras de açúcar ao serem expostos a uma atmosfera com UR menor que 60% tendem a perder umidade para essa atmosfera. Quando a UR da atmosfera e superior a 70%, a tendência e ganhar umidade da atmosfera. A faixa entre 60 e 70% e uma região de transição onde as trocas hídricas são muito pequenas ou inexistentes.
Existem equipamentos para se determinar a URE do açúcar, sendo sua construção relativamente simples, consistindo num reservatório da amostra, uma bomba peristáltica para impulsionar o ar o um higrômetro, todos interligados num sistema fechado. Como o volume do açúcar é relativamente grande, ele acaba impondo a sua URE a todo o sistema, conforme apresentado na Figura 2.
Figura 2. Aparelho para a determinação da umidade relativa de equilíbrio de produtos higroscópicos.
Num armazenamento hermético, isto é, onde não ocorrem trocas de matéria com a atmosfera exterior, a massa de açúcar estocada é muito grande em relação ao volume de ar do armazém, assim a umidade relativa de equilíbrio do açúcar acaba prevalecendo. Num armazém de açúcar fechado, após um tempo conveniente, a umidade relativa do ar em seu interior será a URE média dos açúcares nele estocados. Se existirem açúcares com URE diferentes ali estocados, a umidade tenderá a emigrar das porções com URE maior para as de URE menor.
É importante monitorar a URE dos açúcares armazenados, bem como a UR das atmosferas no interior e no exterior do armazém, em especial quando o local apresente condições atmosféricas não propícias, como por exemplo o interior do estado de São Paulo nos meses de julho a outubro, pois a umidade relativa do ar cai bastante nesses meses secos atingindo valores inferiores a 40%. Nessas condições, mesmo um açúcar que não apresente características que o tornem predisposto a empedrar pode sofrer esse fenômeno.
Precursores do empedramento e sua intensidade
O empedramento do açúcar pode ser classificado como brando, quando os torrões podem ser desfeitos com uma compressão manual, sendo nesses casos às vezes denominado de aglomeramento, e duro quando mesmo aplicando um forte compressão o bloco não retorna ao estado granulado, mas se quebra em peças menores.
De uma maneira mais quantitativa o vigor do empedramento pode ser avaliado determinando o peso necessário para que uma peça de madeira de 1,5 por 1,5 cm marcaria de maneira clara a superfície do açúcar, após um tempo de compressão de 3 minutos. Para amostra de açúcar demerara exposto a uma UR de 62% a pressão necessária foi de 20g/cm2, que se elevou para 122g/cm2 quando a mesma amostra de açúcar foi exposta a uma atmosfera de 57% de UR.
A intensidade do empedramento é uma função da presença de um ou mais dos seguintes condições precursoras do fenômeno:
Diretamente proporcional a fração de água perdida, pois isto resulta numa maior supersaturação da camada de mel e consequentemente numa maior quantia de sacarose depositada sobre o cristal.
Diretamente proporcional a desuniformidade dos tamanhos dos cristais, medida como sendo o coeficiente de variação (CV) nos testes granulométricos, pois açúcares desuniformes apresentam maior número de cristais isolados e consequentemente, um maior número de pontos de contato entre eles. Na análise granulométrica, considera-se um açúcar com granulometria uniforme, quando o coeficiente de variação (CV) dos tamanhos não supera 30%. Valores de CV superiores a 40% indicam um açúcar com granulometría bastante desuniforme. Quando se pretende estocar o açúcar em silos, alguns autores recomendam um pré-peneiramento do produto em malha de 0,2mm de abertura, a fim de se eliminar as frações mais finas.
Diretamente proporcional ao teor de açúcares redutores, pois a ação higroscópica da frutose e da glicose torna o produto bastante suscetível a sofrer com a variação da umidade relativa da atmosfera. Na figura 3 pode-se ver o efeito da UR na isoterma de umidade de equilíbrio do açúcar. Um fenômeno comum é que um aumento da umidade dissolve uma certa porção de açúcar, formando uma solução que, se for ácida, propicia um ambiente para a inversão da sacarose. Como os açúcares redutores produtos da inversão são higroscópicos, o resultado é a formação de mais solução ácida e mais inversão num fenômeno contínuo cujo resultado final é a sacaria totalmente melada.
O teor de cinzas do açúcar também tem uma ação de elevar a higroscopicadade do produto, tornando-o sensível as variações da umidade atmosférica, pela sua ação rebaichadora da pressão de vapor das soluções.
Figura 3. Influencia dos açúcares redutores na higroscopicidade do açúcar.
Armazenagem em silos
Caso se pretenda adotar a prática de armazenamento do açúcar á granel em silos verticais, alguns cuidados adicionais devem ser tomados, principalmente se a estocagem seja por um período longo, das quais podemos citar:
Produzir açúcar com UR inferior a 0,01%,
Manter a umidade do açúcar constante em todo o produto armazenado e num valor que propicie uma URE ao redor de 40%,
Encaminhar o açúcar ao silo com temperatura aproxima a do ambiente e principalmente que não existam gradientes de temperatura dentro do silo,
Armazenar açúcar com uma granulometria uniforme (CV inferior a 30%). Alguns autores recomendam o pré-peneiramento do açúcar antes do envio para o silo, a fim de se eliminar as frações “finas”.
Algumas recomendações quanto a armazenagem
A pratica da maturação do açúcar, ou seja, o produto seguir para um armazenamento temporário, por dois a três dias, após o qual ser transferido para o seu local de estocagem final, é uma prática que tem seus defensores, principalmente por permitir que o produto entre em equilíbrio térmico e hídrico com o ambiente.
O açúcar ao sair do secador, normalmente apresenta a sua película de mel supersaturada, devido a rápida evaporação da água que ocorre no equipamento. O estado de equilíbrio da película e atingido apos um período de 40 a 60 horas, ou pela absorção de água ou pela deposição de sacarose da película sobre o cristal. Seja por qualquer uma das duas vias, o resultado final é o rebaixamento da concentração da película. A absorção de água é a operação mais rápida e portanto a que ocorre na maioria das vezes. Assim, um açúcar refinado granulado, por exemplo, ao sair do secador normalmente apresenta uma umidade de 0,04%, que sofre uma elevação para 0,07% após alguns dias. Qualquer empedramento que possa ocorrer no açúcar durante a maturação é brando, sendo que os torrões se desfazem na manipulação.
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