
Artigo publicado na edição 356 da revista JornalCana
O Brasil possui um potencial imenso para a produção de biogás, estimado em aproximadamente 84,6 bilhões de metros cúbicos por ano.
Este volume seria suficiente para abastecer cerca de 40 mil ônibus anualmente, caso toda essa energia fosse convertida em combustível.
Atualmente, o país produz cerca de 4,6 bilhões de metros cúbicos de biogás por ano, o que representa aproximadamente 5,4% do potencial total.
Entre 2011 e 2020, a produção de biogás cresceu quase 800% no Brasil.
A matéria-prima para a geração de biogás é abundante no Brasil, proveniente principalmente dos setores agropecuário e agroindustrial.
Com um rebanho de aproximadamente 234 milhões de cabeças de gado e 5 milhões de suínos, o país gera uma quantidade significativa de resíduos orgânicos que podem ser convertidos em biogás.
Geograficamente, o estado de Minas Gerais destaca-se com o maior número de usinas de biogás conectadas, representando 37% do total nacional, seguido pelo Paraná com 22% e Santa Catarina com 7,9%.
Outro subproduto com grande potencial para a produção de biogás é a vinhaça, resíduo gerado na destilação do etanol.
Para cada litro de etanol produzido, são gerados de 10 a 15 litros de vinhaça, tornando esse resíduo um dos mais abundantes na indústria sucroenergética.
A vinhaça possui elevada carga orgânica, o que a torna altamente poluente se descartada sem tratamento adequado.
No entanto, sua digestão anaeróbia em biodigestores permite a produção de biogás com rendimento de até 30 metros cúbicos por metro cúbico de vinhaça, reduzindo os impactos ambientais e agregando valor ao setor.
A conversão da vinhaça em biogás permite a geração de eletricidade para as próprias usinas, tornando-as mais autossuficientes e reduzindo custos operacionais. Além disso, o biogás pode ser purificado para biometano e utilizado como combustível veicular ou injetado na rede de gás natural.
O aproveitamento energético da vinhaça também contribui para a economia circular do setor, possibilitando que o digestato resultante do processo seja utilizado como biofertilizante, promovendo um ciclo sustentável de produção agrícola e energética.
O biogás, composto principalmente por metano e dióxido de carbono, pode ser convertido em eletricidade, biometano e produtos químicos essenciais para a transição energética.
Para sua utilização na geração de eletricidade, o biogás passa por processos de purificação para remoção de impurezas, como sulfeto de hidrogênio.
Após esse tratamento, ele pode ser utilizado diretamente em motores a gás ou em células de combustível de óxido sólido (SOFC).
Essas células convertem o hidrogênio presente no biogás reformado diretamente em eletricidade através de reações eletroquímicas, atingindo eficiências superiores a 50% e, quando combinado com o aproveitamento do calor residual, superando 60-80% de eficiência global.
O processo de reforma do biogás permite sua conversão em syngas, composto por hidrogênio e monóxido de carbono, possibilitando a produção de hidrogênio verde, amônia, metanol e combustíveis sustentáveis para aviação (SAF).
Esses produtos têm um papel fundamental na descarbonização de setores industriais e na mobilidade sustentável.
A produção de SAF a partir de syngas derivado do biogás pode reduzir drasticamente as emissões do setor aéreo, enquanto a amônia e o metanol oferecem alternativas limpas para a indústria química e energética.
O Brasil tem a oportunidade de se tornar um líder global na economia do biogás, aproveitando seus vastos recursos naturais e capacidade industrial.
Projetos inovadores, como o desenvolvimento de sistemas de conversão de biogás em eletricidade com reforma para hidrogênio e utilização de células SOFC, estão sendo conduzidos por instituições como a UNICAMP, com apoio da Âmbar Energia.
Essas iniciativas buscam integrar tecnologias para maximizar a eficiência energética e viabilizar economicamente a produção descentralizada de energia limpa.
Além da eletricidade, o biogás pode impulsionar a produção nacional de combustíveis sintéticos e insumos estratégicos para a indústria, reduzindo a dependência de combustíveis fósseis importados.
A produção de biometano, por exemplo, já compete com o gás natural e pode substituir o diesel em frotas pesadas e equipamentos agrícolas, contribuindo para a independência energética e a redução de emissões de gases de efeito estufa.
A cadeia do biogás, quando integrada a sistemas de captura e utilização de carbono, pode alcançar emissões líquidas negativas, tornando-se um pilar fundamental da transição energética brasileira.
O avanço dessas tecnologias permitirá ao Brasil não apenas reduzir sua pegada de carbono, mas também criar oportunidades de negócios e empregos na bioeconomia.
O aproveitamento do biogás em larga escala representa uma solução estratégica para diversificação da matriz energética, fortalecimento da segurança energética e promoção do desenvolvimento sustentável.
A transição para uma economia de baixo carbono passa pela valorização de recursos renováveis locais, e o biogás emerge como um dos protagonistas desse futuro energético mais limpo e eficiente.