A resposta que a sociedade espera sobre a mudança no tratamento do etanol, que deixa de ser uma commodity agrícola para ser tratado como combustível, é se os consumidores sofrerão menos os altos preços deste produto. A resposta provavelmente, é não. Essa mudança, proposta pelo governo federal, garante à Agência Nacional de Petróleo maior poder sobre a produção. As usinas terão que informar diretamente à ANP o quanto produziram de etanol e para quem venderam o produto.
A nossa perspectiva é que haja uma drástica redução nos índices de sonegação, hoje estimado em cerca de R$ 1 bilhão por ano. Do ponto de vista de controle fiscal, a questão está resolvida e será muito positiva para o mercado como um todo.
Por outro lado, não está claro como será tratada a questão do abastecimento. Será possível criar um mecanismo em que a ANP determine à usina o quanto produzir de etanol e de açúcar? Ou determinar que primeiro seja abastecido o mercado interno de etanol e exportar apenas o excedente? Parece-nos intervencionista demais. O mercado é livre.
As usinas afirmam que não deixaram de produzir etanol para produzir açúcar. Que a exportação de etanol é inexpressiva. Que nada mudou em relação a anos anteriores. E a União da Indústria de Cana-de-açúcar (Única) já avisou que a quantidade de etanol que será produzida este ano só abastecerá 45% da frota flex. Ou seja, o problema é a falta do combustível.
Os usineiros afirmam que o problema é a ausência de investimentos na produção, em função das recentes crises econômicas, e do aumento da demanda por conta do crescimento da frota bicombustível. Ok. Mas por que desde 2008 os produtores de etanol brigam com o governo para abrir mercados, principalmente dos EUA e Japão? E se isso tivesse acont ecido de fato? Como estaríamos hoje?
Voltando ao abastecimento interno, foram apontadas muitas soluções ao longo dos últimos anos e dos últimos meses. A que se mostrou mais consistente foi a criação de estoques regulatórios. Mas na situação de hoje ela se torna quase inviável. Ora, quem fará os estoques? Como será feito? E a pergunta que mais interessa ao mercado e aos consumidores: como retirar etanol do mercado durante a safra, quando se espera que o excesso de produto provoque a queda dos preços?
O que mudaria é que no lugar de grandes oscilações de preço na safra e na entressafra, teríamos um preço mais constante, porém, nivelado por cima. O cenário não é positivo e deve ser observado e tratado com carinho.
Ruy Poncio é presidente do Sindicato do Comércio Varejista dos Derivados de Petróleo do Espírito Santo
Regulação ou intervenção?
Adriano Pires
A publicação da Medida Provisória do Etanol 532/2011 é uma resposta à crise que o mercado de combustíveis vem passando. As consequências mais visíveis foram um significativo avanço nos preços, tanto do etanol quanto da gasolina C, e a crescente necessidade de importação da gasolina e mesmo de etanol.
Segundo o governo, a MP é o inicio de um processo de regulação mais amplo, pois envolverá também o biodiesel. A proposta de aperfeiçoar a regulação dos biocombustíveis é bem-vinda, o que preocupa é o fato de o governo quase sempre confundir regulação com uma maior intervenção no mercado.
A MP do Etanol altera a classificação do insumo de “produto agrícola” para “combustível”, prática que permite que a ANP possa atuar na fiscalização, comercialização, estocagem, exportação e importação do produto, dando ao etanol o status de “produto estratégico”.
O atual momento por que passa o etanol é culpa de uma omissão do governo e de uma falta de visão dos produtores. Nesse sentido, a MP tenta corrigir a omissão do governo ao dar o poder de regulação a ANP.
Porém, há controvérsias sobre a capacidade de atuação da agência, já que a ANP passou, nos últimos anos, por um grande processo de esvaziamento, e tornou-se uma entidade sujeita mais às pressões governamentais do que preparada para cumprir seu papel de ente regulador e fiscalizador.
Os produtores perderam a oportunidade de se antecipar ao governo e propor uma regulação, baseada em regras de mercado, no momento em que o etanol era o grande “darling” dos combustíveis. Faltou aos produtores visão e oportunidade de mercado.
A intervenção do governo no etanol não traz uma solução de longo prazo, o que será possível apenas quando for elaborada uma política que englobe todos os combustíveis. Vamos torcer para que as declarações do ministro de Minas e Energia, cada vez mais na direção de uma grande intervenção no mercado, não se transformem em realidade.
Caso contrário, perderão a Petrobras, que vai desviar seus investimentos do pré-sal para os biocombustíveis, os produ tores, que terão seu risco aumentado e reduzirão seus investimentos no etanol e biodiesel, os consumidores, que ficarão nas mãos do governo tendo sinais de preço determinado por questões políticas, e o país, que deixa de ter a produção e as decisões de investimento sobre os biocombustíveis, em particular, do etanol, baseadas no setor privado, comprometendo o futuro dessa energia renovável no país.
Adriano Pires é diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE)