Há seis meses, através do artigo “Energia e Soberania”, tratamos da importância fundamental da energia no contexto de uma nação que se pretende soberana e independente. Mostramos que o modelo energético que o Brasil vem adotando está equivocado e a persistir neste modelo certamente teremos um futuro incerto, sem a soberania e a autodeterminação no cenário mundial do qual fazemos parte mas que não temos ocupado o lugar de destaque merecido.
O modelo do qual falávamos permanece o mesmo, ou seja, uma matriz energética baseada no petróleo como fonte de energia térmica e nas grandes hidroelétricas para fornecimento de eletricidade, ambas as fontes prevalecendo de forma hegemônica.
Neste pouco tempo (seis meses apenas), o petróleo recuou de 34 dólares o barril para 25 dólares, atualmente se aproximando de 30 dólares, não devendo demorar muito para atingir aos picos do final do ano passado. Por outro lado, a energia elétrica que naquela oportunidade, pelos menos na ótica do governo, se apresentava como abundante e suficiente para suprir as necessidades do país, garantindo o bem estar da população, hoje já não mais existe e ameaça levar o país a uma escuridão que se prenuncia cruel e duradoura.
Assim sendo, nada mudou no sentido de se desenvolver ou mesmo estimular outras fontes alternativas de energia, a exemplo do álcool combustível e da cogeração de energia elétrica através de resíduos agrícolas; as termoelétricas movidas com combustíveis originados da biomassa, como a lenha, o carvão vegetal, o gás de madeira; as pequenas hidrelétricas; a energia e a energia solar.
Nem mesmo as centrais termoelétricas a gás, que já deviam estar funcionando, tiveram os seus projetos concluídos, em razão da indefinição da área econômica do governo em solucionar a questão das tarifas em reais desvinculadas do preço do gás importado cotado em dólares.
Todas estas fontes alternativas e renováveis de energia baseiam-se em tecnologias suficientemente dominadas pelo nosso país, não necessitando de importação de tecnologia, nem mesmo de equipamentos para serem implantadas de imediato, para tanto bastaria a vontade política do governo para sua real efetivação.
É evidente que não se sabe deixar de investir na exploração de petróleo, assim como na geração de energia hidroelétrica, o que não se entende é a inércia dos nossos administradores em buscar a autonomia energética levando em conta, também, outras fontes não convencionais como aquelas acima especificadas.
É bom lembrar mais uma vez que vem do Sol, a única e principal fonte de energia do nosso planeta. O Brasil tem o privilégio de ser, no mundo, o maior beneficiário deste reator imensurável de energia. A energia solar é responsável pelas chuvas, portanto aí definindo a energia hidráulica das nossas hidroelétricas, é responsável pelos ventos, resultando nos potenciais eólicos notadamente nas regiões litorâneas do norte e do nordeste do Brasil. Entretanto, vem do sol a principal e mais importante fonte de energia que se revela por meio de florestas, graças a fotossíntese que, utilizando-se do solo, da água e do gás carbônico (aquele mesmo que provoca o efeito estufa, principal poluente do nosso planeta) desenvolve as florestas, fonte inesgotável e renovável de energia, ao nosso ver a energia que será a mais valorizada nas próximas décadas.
O principal exemplo deste potencial energético oriundo da biomassa é o álcool combustível derivado da cana-de-açúcar. O Brasil tem o domínio do maior programa de energia alternativa, limpa e renovável do mundo, programa este que já está completando 30 anos do seu lançamento no início da década de setenta, quando vivenciamos a primeira grande crise de petróleo do século passado. O desafio de se obter um combustível nacional, para substituir a gasolina foi enfrentado com determinação e vontade política do governo da época, vindo a se consolidar em curto prazo contribuindo muito com a nossa balança de pagamento, gerando centenas de milhares de empregos no campo e melhorando os níveis de poluição nas grandes cidades, seja pela substituição dos aditivos químicos que eram misturados a gasolina pela mistura de 24% de álcool anidro e também pelo uso direto do álcool hidratado nos veículos desenvolvidos no Brasil com este objetivo.
No final da década de 80, a indústria automobilística chegou a produzir 95% de automóveis movidos a álcool, mas nossos tecnocratas e governantes nada fizeram para estimular o crescimento e a sustentação do Programa do Álcool Nacional, e as montadoras, principalmente depois da famosa abertura de mercado, desprezaram o carro a álcool. Hoje quase nada é produzido e o governo nada fez para evitar a estagnação do programa do álcool. Pelo contrário, nesses últimos dez anos quase 30% das usinas de álcool e açúcar do Brasil encerraram suas atividades, desempregando milhares de trabalhadores e contribuindo para a miséria e a violência nos grandes centros urbanos deste país. Deixou-se de investir em produção, geração de impostos, criação de empregos e riqueza.
A agroindústria da cana-de-açúcar, que hoje conta com aproximadamente 350 unidades produtoras, coincidentemente localizadas nas regiões que padecem da falta de energia elétrica, poderia também contribuir para a geração desta escassa e indispensável energia. Como se sabe, as usinas de açúcar e álcool, além de serem auto-suficientes em energia elétrica (estas empresas não serão afetadas pelo racionamento que está sendo cogitado) ainda podem gerar um excedente energético muito importante, cujo potencial poderia ser calculado como sendo algo em torno de 10 MW/h por unidade produtora. Como temos pelos menos 300 unidades em atividade, o valor total seria de, no mínimo, 3 mil MW que poderiam ser disponibilizado dentro de um prazo de até dois anos, no máximo. Este potencial energético seria suficiente para abastecer por seis meses mais de 10 milhões de residências de consumo médio de 200kwh/mês.
Entretanto podemos e devemos ir mais além, se o programa do álcool torna-se prioridade nacional e a montadoras forem obrigadas a produzir os carros a álcool nos níveis alcançados há doze anos atrás, a safra de cana-de-açúcar prevista para este ano em torno de 250 milhões de toneladas poderia ser duplicada em dois ou três anos, duplicando ou triplicando a quantidade de álcool carburante para substituir derivados de petróleo e aumentando nas mesmas proporções a oferta de energia elétrica.
Devemos ainda salientar que o custo deste projeto é muito inferior ao que seria necessário para gerar o equivalente de energia em hidroelétricas. Merecendo ainda destacar que praticamente não haveria que se investir em linhas de transmissão, em razão das usinas estarem instaladas nas proximidades dos centros de consumo.
O setor agroindustrial da cana-de-açúcar, através da cogeração, pode dar mais esta grande contribuição a sociedade brasileira diante da possibilidade do corte generalizado do fornecimento de energia elétrica, causando desconforto às pessoas, reduzindo o nível de produção da indústria, das atividades de comércio e de serviço, da produção agrícola e de alimentos. Deixando, enfim, o nosso país em posição de desvantagem no contexto da economia mundial.
Não devemos continuar persistindo em tantos equívocos e omissões. O Brasil espera muito mais de seus governantes. Assim, como ocorreu na campanha para as eleições diretas, tão importantes para o pleno exercício da democracia, precisamos de uma mobilização da sociedade através de uma campanha vigorosa e acima dos interesses políticos e partidários, visando recuperar o amor pelo nosso país. O Brasil não suporta mais se curvar ante os interesses dos países do primeiro mundo. A sociedade brasileira já não aceita mais ser mais escrava do capital selvagem e sem pátria que explora a miséria dos povos ditos do terceiro mundo. Não dá mais para continuar entregando o nosso patrimônio às multinacionais que apenas visam o lucro financeiro e que muito pouco ou nada investe no sentido de reduzir a fome e a miséria da maioria dos brasileiros. Patriotismo já!
Mounir Naoum, presidente e Marcos A. Siqueira,
assessor do Grupo Naoum/e-mail: [email protected]