Sobreviver num mercado como o sucroalcooleiro onde, cada vez mais, os grandes conglomerados vão engolindo as pequenas e médias usinas, é um exercício diário de criatividade, arrojo e gestão impecável para quem pretende continuar a existir de forma independente. Esta foi a opção que a Paraíso Bioenergia, uma pequena usina situada na região de Brotas, interior de São Paulo, fez há alguns anos e aposta na diversificação das atividades não apenas para sobreviver neste mercado altamente competitivo, mas também assegurar o crescimento da empresa num futuro próximo. Através de parcerias com outras empresas e instituições, como a Rhodia e a Amyris, o objetivo da Paraíso Bioenergia é se transformar numa biorrefinaria, um pólo de tecnologia para a produção de subprodutos da cana-de-açúcar, uma seara com amplas possibilidades em diversas aplicações práticas, mas todas com o forte apelo da fonte limpa e ecologicamente correta, como valor agregado.
Assim como a partir do petróleo se extrai uma infinidade de subprodutos (os principais são: gás, nafta, gasolina, querosene, diesel, óleo lubrificante, óleo combustível e asfalto, entre outros), a cana-de-açúcar, também vem se mostrando um componente versátil de onde pode se extrair inúmeros subprodutos que podem ser utilizados na alimentação humana e animal, na fertilização de solos e na co-geração de energia, entre outras aplicações. São produtos como os tradicionais açúcar, melaço, torta de filtro, vinhaça, óleo fúsel, álcool bruto, leveduras, energia elétrica (através da queima do bagaço) e biodiesel. A busca pela utilização de fontes renováveis de matérias-primas, no entanto, fomenta no mundo todo a pesquisa por nova utilizações do extrato da cana e o Brasil tem papel de destaque neste cenário não apenas por ser o maior produtor mundial, mas também um grande centro de tecnologia na área. Por isso, novas possibilidades se avizinham num futuro próximo para a utilização do substrato, como a produção de bioplásticos e matéria-prima para as indústrias químicas e farmacêuticas como adoçantes, frutose, glucose, polióis, ácidos orgânicos, amino-ácidos, polióis e enzimas.
A aposta na profissionalização
Pertencente a uma tradicional família de produtores agrícolas da região de Brotas, desde 1856, a Paraíso Bioenergia teve administração familiar até 2008, quando houve um processo de profissionalização de sua gestão (veja matéria anexa), em plena crise econômica mundial que afetou inclusive o forte segmento sucroalcooleiro. O então presidente e herdeiro da Paraíso, Wilson de Albuquerque Pinheiro, havia realizado, desde o início da década de 2000, uma reestruturação física e financeira na empresa, com a meta de ampliar de 400 mil toneladas para dois milhões de toneladas de cana moída por safra em oito anos. Meta que, diga-se de passagem, foi cumprida. O fato de ter consolidado a reestruturação financeira antes do advento da crise, foi fundamental para os próximos passos que a usina iria dar a partir de então. “Esta condição foi importante para nossa sobrevivência à época, pois estávamos entrando na entressafra sem dinheiro”, lembra Dario Costa Gaeta, diretor presidente que assumiu a empresa no início da fase de profissionalização. “Como tínhamos nossas contas saneadas, não precisamos contrair empréstimos para financiar a safra”, lembra Dario um fator que já diferenciava a usina em meio a um caos econômico que se abateu sobre as chamadas “pequenas”, muitas delas engolidas por grandes grupos.
Um ano depois, já com a casa em ordem e as diretrizes traçadas, o novo presidente gestou o projeto de sobrevivência da empresa, calcado na diversificação dos negócios. Surge, então a primeira alternativa: a cogeração da energia. Depois de bater “em mais de 30 portas”, afinal surgiu um parceiro interessado: a Rhodia. Apesar de ser uma gigante do setor químico, a multinacional francesa tem seu passado intimamente ligado à geração de energia. Pesou na decisão do grupo francês em firmar parceria, o fato da Paraíso ter obtido na mesma época, o aval do AGF, um fundo de investimentos do setor sucroalcooleiro para o projeto nascente. Desta forma, o projeto começou a tomar forma, a planta começou a ser construida e até o próximo ano a usina de cogeração deverá estar em plena capacidade, gerando 70 megawatts de energia que será comercializada pela Rhodia durante um período pré-estabelecido.
Outra face já concretizada desta diversificação de atividades é a parceria com a Amyris do Brasil. Esta empresa, com sede nos Estados Unidos, nasceu com capital doado pela Fundação Bill & Melinda Gates, e tem como vocação investir na pesquisa e produção de materiais inovadores que agreguem valor à sociedade. Na parceira com a Paraíso a empresa, cuja planta já está em fase de construção no site da usina, a meta é produzir farneceno, um produto que é base para a produção da indústria de cosméticos. Atualmente este produto é extraído do petróleo. A meta também é de estar oferecendo esta opção de produção sustentável ao mercado, até o próximo ano. No primeiro momento, deverá consumir metade da produção da usina, na ordem de um milhão de toneladas de cana moída. “A profissionalização da gestão, as constantes auditorias a que somos submetidos e ainda a parceria com a Rhodia e AGF contaram muito na decisão da Amyris em ser nossa parceira neste projeto”, explica Dario.
Novos projetos à vista
Além destes projetos já consolidados, o presidente da Paraíso conta que vários contatos e conversações estão sendo realizadas em outras frentes de negócios. A produção de biogás e outra planta destinada ao processamento dos gases atmosféricos (oxigênio, hidrogênio etc.), são dois exemplos onde as conversações estão avançadas. “Nós vamos deixar de ser simplesmente uma simples usina de açúcar e álcool para sermos uma biorrefinaria, um complexo de plantas para produção de subprodutos do caldo da cana. Açúcar e álcool vão se tornar também outros subprodutos”, prevê Dario Gaeta.
As iniciativas da Paraíso Bioenergia, que se orgulha de continuar sendo uma empresa 100% brasileira, demonstram que é possível sobreviver e crescer em meio a um mercado onde as regras são ditadas pelos grandes grupos. No cerne deste princípio está o planejamento, organização, criatividade sem perder o foco no futuro. Já visualizando todo o potencial de negócios que tem pela frente, a empresa investe na modernização de suas instalações e operações, bem como em sua área de plantio. O projeto cana limpa (publicado na edição 209), vai resultar em maior produtividade de seus canaviais, bem como sua ampliação. Um dos grandes desafios na área de produção é reduzir o período de parada para manutenção da usina para apenas um mês. “Se já conseguimos reduzir para três meses, por que não seria possível para um mês?” questiona Dario, que já tem a resposta, porém, obviamente não divulga.
Numa visão de longo prazo, o objetivo da empresa é dobrar o seu faturamento nos próximos anos. Mas, de todos os dividendos a serem obtidos com os atuais e futuros projetos, o maior deles inegavelmente é a visão social que agrega maior valor aos produtos. Afinal, num cenário que prevê o fim das reservas petrolíferas nas próximas décadas, o mundo está ávido por alternativas que possam suprir as necessidades energéticas e produtivas de uma forma sustentável e limpa. A cana já mostrou ser a melhor resposta. E a Paraíso Bioenergia já está um passo adiante neste caminho.