Apesar do barulho, o reajuste de 6% da gasolina “A” na refinaria, anunciado pela Petrobras, terá um efeito limitado sobre os preços do etanol hidratado, concorrente direto do derivado fóssil no mercado de carros flex fuel. A brasileira Copersucar, maior trading de etanol do mundo, calcula em 5 centavos de real por litro, ou 5% na usina, o impacto direto da medida. O comportamento do consumidor frente a esse reajuste ainda é uma incógnita. E os preços do hidratado na usina, devido à oferta apertada e uma demanda forte, já haviam começado a subir há 15 dias e acumularam uma valorização de 10% em setembro.
O efeito psicológico da medida anunciada pela Petrobras é difícil de ser mensurado. Ontem mesmo, no fim da tarde, o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/Esalq) enviou um comunicado informando que um dos seus indicadores para o hidratado (posto em Paulínia-SP) subiu 7,05% apenas ontem, e que a principal razão era o reajuste da gasolina – apesar da menção, como fatores secundários, à ocorrência de chuvas e à proximidade da entressafra da cana-de-açúcar.
O cenário hoje indica que só há etanol hidratado suficiente para abastecer o mercado até 31 de março do ano que vem, quando terminará a safra 2015/16, se a demanda mensal encolher dos atuais 1,5 bilhão de litros para 1,2 bilhão. É consenso que, para isso, o preço do hidratado nos postos terá que subir a ponto de superar a paridade de 70% do preço da gasolina, de forma a causar, de fato, um impacto mais forte no consumidor, levando-o a migrar para o derivado fóssil, explicou o diretor da SCA Trading, Martinho Seiiti Ono. “Com o reajuste da gasolina nessa reta final da safra, o espaço para o etanol subir se amplia”, afirmou.
Independentemente do tamanho do impacto, a alta da gasolina deverá beneficiar, majoritariamente, as usinas sucroalcooleiras mais capitalizadas. Aquelas que estão com problemas financeiros já venderam praticamente tudo o que produziram até o momento a preços abaixo dos praticados no ano passado para fazer caixa e pagar as contas.
Mas, mesmo companhias mais capitalizadas, como a Copersucar, estão levando menos estoques para vender na entressafra, dados os custos financeiros mais altos de financiar essa operação. “No ano passado, as linhas do BNDES ofertavam crédito a 9% ao ano. Neste ano, esses custos estão em 15%. Ainda que, em termos de fundamentos, o cenário seja mais favorável ao carregamento de estoques, o risco aumentou”, afirmou o presidente do conselho de administração da Copersucar, Luís Roberto Pogetti.
Na avaliação de Rui Chammas, CEO da Biosev, segunda maior companhia do segmento, é preciso lembrar ainda que o anúncio da Petrobras trouxe também um aumento do preço do diesel, de 4% – o que, no fim das contas, reduz ainda mais o efeito positivo para as usinas sucroalcooleiras, grandes consumidoras de diesel em suas operações agrícolas. “A cada 10 litros de etanol que produzimos, consumimos 1 de diesel”, comparou o executivo da Biosev, controlada pela francesa Louis Dreyfus Commodities.
A União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), entidade de maior representatividade no segmento, divulgou nota em que afirma acreditar que o reajuste tornará o biocombustível mais competitivo frente à gasolina, mas que esta ainda está muito longe de ser uma solução efetiva para o crescimento do setor sucroenergético do Brasil.
A medida não estimula novos investimentos em expansão da capacidade, disse aoValor Pedro Mizutani, vice-presidente da maior companhia de açúcar e etanol do país, a Raízen Energia. “Esse reajuste vai mudar muito pouco o preço do etanol. Melhora um pouco, mas não muda o patamar de rentabilidade do produto, que está muito baixo”, afirmou o executivo da empresa, joint venture da Cosan com a Shell. Na visão de Mizutani, o que de fato faria a diferença seria a recomposição da Cide para R$ 0,60 por litro na gasolina.
O CEO da São Martinho, Fábio Venturelli, observou que não há sequer crédito para investimento, ainda que essa fosse a visão do setor. “Até há recursos disponíveis no exterior, mas o país não tem credibilidade para atrair esse capital”, avaliou.
No início deste ano, o governo federal autorizou a retomada da Cide e o aumento do PIS/Cofins na gasolina, o que significou um reajuste nos postos na casa dos 22 centavos de real por litro no preço do combustível fóssil. O potencial para o hidratado era de um aumento de pelo menos 15 centavos por litro, mas esse cenário não se confirmou. Desde o início da safra, em abril, até o início de setembro, o preço do etanol hidratado na usina ficou abaixo do preço do ano passado.
Isso porque muitas usinas em condições financeiras ruins ofertaram muito produto no mercado, pressionando os preços para baixo durante toda a safra. “Tudo depende muito de como esse reajuste vai se estabelecer ao longo da cadeia, desde a usina, até as distribuidoras, postos e consumidor”, avaliou o CEO da São Martinho.
Ontem, os papéis de todas as companhias com operação sucroalcooleira subiram na BM&FBovespa. Os da São Martinho subiram 3,54%; os da Cosan, 5,95%; Biosev, 0,82% e os da Tereos, que têm menor liquidez, tiveram forte variação de 60,98%.
Fonte: (Valor)