Mercado

Para proteger investimentos

A expansão de empresas brasileiras, como Petrobras, Ambev e as grandes empreiteiras, em países sujeitos a turbulências políticas como a Bolívia, reacenderam no governo brasileiro o interesse pelos acordos de proteção ao investimento. O tema é uma das heranças deixadas por Luiz Fernando Furlan a seu sucessor no Ministério de Desenvolvimento, Miguel Jorge, que encontrou, ao assumir o posto, uma proposta de renegociação dos 16 acordos de proteção firmados pelo Brasil com outros países, até hoje não incorporados à lei brasileira.

Como presidente da Câmara de Comércio Exterior (Camex), Miguel Jorge deverá decidir com os outros ministros envolvidos na política comercial brasileira como encaminhar a nova proposta de acordo ao Congresso. Espera-se que o tema seja discutido nas próximas reuniões da Camex, que já aprovou a proposta dos técnicos de retirar dos modelos de acordos já assinados cláusulas que conflitam com a Constituição brasileira ou foram abatidas por forte oposição política.

Se a Comissão de Relações Exteriores do Senado autorizar, o governo deverá iniciar ainda neste ano os contatos com os governos para renegociação dos acordos. Não é tarefa fácil, porque significará voltar atrás em compromissos já assumidos, e incluir idiossincrasias brasileiras em modelos já adotados como padrão único pelos países do Primeiro Mundo. Uma das alterações exigidas pelo Brasil é a mudança dos artigos que exigem indenizações em dinheiro, no caso de desapropriações de terra. É a Constituição que determina indenizar os proprietários, nesses casos, com Títulos da Dívida Agrária.

Também, para atender à oposição dos parlamentares, será retirada a cláusula conhecida como investidor-Estado, que permite a empresários estrangeiros, individualmente, acionarem o Estado em cortes internacionais por direitos que acreditarem descumpridos no país. Esse dispositivo, questionado por organizações não-governamentais, além de dar poder às empresas para questionarem legislações locais, cria um privilégio para as companhias estrangeiras em relação às nacionais, que, em caso de disputa com o Estado, são obrigadas a apelar ao Judiciário local.

Outro item a ser retirado dos contratos é a previsão de mecanismos de arbitragem, em casos de conflitos por ações governamentais consideradas danosas aos investimentos. Empresas estrangeiras só poderão recorrer diretamente à Justiça brasileira; e, em casos de ações movidas por governos por interesse de investidores, só serão aceitos processos em cortes internacionais, como a Corte de Haia, ou o mecanismo de solução de controvérsias da OMC.

Atacada na Bolívia, envolvida em incertezas em países como o Equador e alvo de irados comentários na vizinha Argentina por ter alertado para os efeitos nefastos do controle de preços local, a Petrobras não seria, porém, a principal beneficiária, caso seja bem-sucedida a renegociação dos acordos. As grandes multinacionais baseadas no Brasil já aprenderam há algum tempo onde buscar abrigo legal; nos países em que operam, têm firmado acordos com base em sucursais no exterior. A Petrobras Bolívia, operava no país vizinho a partir de sua sucursal holandesa, garantindo, dessa forma, o abrigo do acordo de proteção ao investimento firmado entre os governos boliviano e holandês.

São as médias e pequenas empresas, que começam a ensaiar expansão dos negócios para os mercados vizinhos – algumas empurradas pelos altos custos do real valorizado em suas instalações brasileiras – as que mais têm a ganhar com os acordos. Estabelecido um modelo, o governo deverá buscar sua negociação com os países vizinhos, como garantias contra arbitrariedades e ameaças populistas.

Os acordos existentes, assinados desde o início dos anos 90, teriam de ser aprovados pelo Congresso para entrar em vigor, mas a forte oposição dos parlamentares, especialmente do PT, levou o governo Fernando Henrique Cardoso a retirar, em 2002, os projetos de lei que os incorporariam à legislação nacional. O governo, agora, quer aprovação do Congresso para submeter novas propostas de acordo de proteção de investimentos aos países com quem assinou os acordos originais.

Discutidos em 2005 e engavetados, esses acordos voltaram a freqüentar as preocupações do governo no segundo semestre do ano passado, quando Furlan, em viagem à Europa, notou o forte mal-estar de governos como Inglaterra, Suíça e Alemanha pela suspensão dos acordos já assinados pelo Executivo. Só neste ano, porém, a Camex concluiu o modelo do novo acordo, a ser submetido ao Congresso, e, então, aos governos. Os embaixadores dos países signatários de tratados do gênero com o Brasil ainda não receberam detalhes da proposta brasileira, e alguns deles preferem manter-se em silêncio até que ela seja pública.

Segundo um embaixador europeu, os acordos facilitarão a vida das empresas de menor porte, que começam a buscar oportunidades de investimento no Brasil. Mas mesmo os maiores advogados desses acordos de proteção a investimentos reconhecem que outro fator ainda é insuperável como elemento de atração do interesse dos investidores, com ou sem garantias legais de proteção: o crescimento econômico.

O destino de Furlan

Ainda apreensivo com o descanso forçado de quatro meses, com a quarentena a que se verá obrigado após sair do governo, o ex-ministro do Desenvolvimento Luiz Fernando Furlan já tem praticamente decidido seu futuro ao voltar à ativa. Além de aceitar convites que recebeu para conselhos de algumas empresas, o ex-ministro pretende atuar na área de projetos de meio ambiente e energia. Chegou a discutir uma atuação conjunta com Roberto Rodrigues, quando ambos estavam no governo e acreditavam que sairiam juntos. O ex-ministro da Agricultura foi mais rápido, e partiu na frente, surfando na onda do etanol. Sergio Leo é repórter especial em Brasília e escreve às segundas-feiras [email protected]