Apesar dos argumentos científicos que sustentam o etanol brasileiro como um biocombustível renovável e avançado, transformá-lo em commodity vai depender da forma como é ele produzido no resto do mundo. Essa é a opinião do secretário-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy, que visitou neste domingo (18) a Usina São Martinho, em Pradópolis, SP.
Lamy disse que o Brasil busca a abertura de um mercado global para o etanol sob o argumento de que o biocombustível da cana de açúcar é limpo, sustentável e eficiente. No entanto, observa que “isso pode não ser necessariamente verdade para todo o etanol do mundo. A questão é saber como avaliar o combustível, com rastreabilidade e sustentabilidade”.
Na visita à São Martinho, o secretário-geral da OMC disse que a usina é “um bom exemplo do que os países emergentes podem fazer para agregar valor a uma matéria-prima”. A unidade é a maior processadora de cana do mundo. Na última safra bateu o recorde brasileiro de moagem, com 8,1 milhões de toneladas.
Na oportunidade, acompanhado pelo presidente da Unica (União da Indústria de Cana-de-açúcar), Marcos Jank, e por representantes da São Martinho, Lamy plantou um pé de Pau-brasil em um local onde outras autoridades já realizaram o plantio comemorativo à visita. O grupo também visitou a fazenda Santa Isabel, em Guariba, SP, do ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues.
Mesmo com a boa impressão que teve da São Martinho, o francês evitou tomar partido em relação à luta brasileira pela abertura do mercado mundial para o etanol. No entanto, reiterou que o Brasil terá que negociar contrapartidas, principalmente com os Estados Unidos e a União Européia, caso realmente queira eliminar as barreiras tarifárias e não-tarifárias sobre o biocombustível.
“Esses países não dizem não, mas destacam que dependem do que o Brasil dará em troca nas negociações”, disse Lamy. Os Estados Unidos mantêm uma tarifa de US$ 0,54 por galão sobre o etanol da cana. O fim dessa taxação está previsto para este ano, mas terá que enfrentar o lobby dos produtores de milho (usado nos EUA para produzir etanol), que querem manter a barreira.
Marcos Jank não descarta um contencioso na OMC, caso a tarifa norte-americana sobre o etanol brasileiro não caia até o final de 2010. No entanto, admite que um processo litigioso é demorado e causa desgastes. O Brasil busca uma saída consensual, a julgar pela iniciativa do governo, tomada este ano, de zerar a tarifa de importação de etanol de 20%.
Lobby
A classificação do etanol de cana-de-açúcar como biocombustível avançado, anunciado este ano pela Environmental Protection Agency (EPA) dos Estados Unidos, abre para o Brasil a possibilidade de um mercado nos Estados Unidos, calculado em até 40 bilhões de litros, nos próximos anos. Mas ainda há um longo caminho a ser percorrido.
De acordo com o representante-chefe da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) em Washington, EUA, Joel Velasco, a reafirmação da superioridade do etanol de cana confirma que a produção sustentável de um biocombustível pode ter um papel importante no combate às mudanças climáticas. “Talvez este reconhecimento influencie aqueles que buscam levantar barreiras comerciais contra a energia limpa nos EUA e no mundo”.
O governo norte-americano tem como meta reduzir em 15% o uso de combustíveis de origem fóssil até 2022. No lugar dos produtos do petróleo, entram em cena os renováveis que atualmente representam 42 bilhões de litros. Esse volume pode saltar para 136 bilhões de litros nos próximos 12 anos. Parte desse volume está reservada para combustíveis avançados, como o etanol de cana.
Velasco, aos 37 anos, lobista da Unica nos EUA, luta para ajudar a colocar o etanol brasileiro numa posição de destaque. Para isso, enfrenta o rico e poderoso lobby do milho. Bem articulado, Velasco circula pelo Congresso americano amealhando adeptos ao etanol da cana, munindo-se de argumentos para possibilitar a abertura efetiva do mercado para o biocombustível brasileiro.