Mercado

Países buscam saída para impasse agrícola

Ministros do Brasil, dos Estados Unidos, da Austrália, da Índia e da União Européia, representando interesses distintos nas discussões sobre abertura de mercados agrícolas na Organização Mundial do Comércio (OMC), chegaram a um acordo para tentar tirar do impasse as negociações sobre o tema. Decidiram ontem que o presidente do comitê de agricultura da OMC, Tim Groser, apresentará até sábado um documento sobre redução de tarifas e barreiras ao comércio agrícola (acesso a mercados, no jargão diplomático), para tentar conciliar as posições dos negociadores.

Os representantes dos cinco membros da OMC decidiram também que, paralelamente à discussão sobre acesso a mercados, Groser tentará reunir em documentos únicos as propostas para os outros chamados dois pilares da negociação agrícola, os subsídios à exportação e a ajuda subsidiada aos produtores agrícolas, que deprimem preços e distorcem os mercados.

“A direção política está lá: os subsídios à exportação devem ser eliminados gradualmente, os subsídios aos produtores têm de ser substancialmente reduzidos, e o acesso a mercados tem de ser substancialmente aumentado”, resumiu o comissário da União Européia para comércio, Pascal Lamy, principal negociador europeu. “Ao fim, essa direção política terá de ser traduzida em números.”

Lamy, que representa um dos sócios mais protecionistas da OMC em matéria de agricultura, explicou que a expectativa dos ministros reunidos ontem é chegar até julho a um acordo sobre fórmulas e modelos de redução de subsídios e barreiras comerciais, para que a partir daí os negociadores nada mais tenham a fazer senão negociar os prazos e os porcentuais para a redução desses entraves ao comércio.

“A reunião acontece em um momento crucial e há uma convergência histórica se comparada com negociações do passado”, comemorou o chanceler brasileiro, Celso Amorim, elogiado por todos os outros ministros pela iniciativa de reunir o grupo durante a 11ª Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad), que será aberta hoje em São Paulo.

O representante comercial dos Estados Unidos, Robert Zoellick, comentou que a decisão dos ministros acontece em um momento em que há recuperação da economia dos Estados Unidos, crescimento na China, alguns países da América Latina e na Índia. “A recuperação econômica global e a liberalização do comércio são a melhor forma de promover o desenvolvimento”, preconizou.

A decisão de começar a definição das regras do jogo da negociação pelo tema do chamado acesso a mercados refletea pressão que a cúpula da OMC vem exercendo sobre os negociadores, para que se comprometam com medidas de abertura de mercado – redução de tarifas – em agricultura. “Sinto cheiro de acordo”, disse Tim Groser ao Valor. “O acesso a mercados é hoje o tema mais complicado.” Também o diretor-geral da OMC, Supachai Panitchpakdi, cobrou dos países em desenvolvimento que avancem além da cobrança do fim dos subsídios e aceitem abrir seus próprios mercados. É um recado direto a países como a Índia, membro da coalizão de países em desenvolvimento coordenada pelo Brasil para forçar o fim dos subsídios dos países ricos.

Groser avaliou que já houve avanços importantes na negociação sobre subsídios. A União Européia, que antes nem admitia tratar do tema, aceita agora o fim da ajuda à exportação, ainda que condicione essa aceitação ao fim também de medidas equivalentes ao subsídio, como certos programas de ajuda alimentar nos Estados Unidos. As promessas de redução dos subsídios internos aos produtores também já são uma boa base de partida para as discussões, avaliou.

A análise de Groser não tem a adesão imediata dos negociadores brasileiros. “Ainda há muitas condicionalidades, o que significa que os europeus podem fazer exigências inalcançáveis para cumprir a promessa de reduzir subsídios”, comentou o embaixador Luiz Felipe Seixas Corrêa, representante do Brasil na OMC, em Genebra. “Você abriria seu mercado para importações agrícolas, se elas fossem pesadamente subsidiadas, como são hoje as de alguns países?”, pergunta.

Groser insistiu, porém, que não é tão difícil chegar a um acordo na OMC para limitar medidas equivalentes a subsídios a exportação, como os programas dos Estados Unidos. “A base política está colocada e temos condições de oferecer a eliminação de subsídios à exportação, que estamos buscando há decadas.”

O tom otimista das autoridades ontem não deve ser tomado como um sinal de que acabaram os entraves à negociação da OMC. Lamy, ao final da entrevista coletiva em que foram anunciados os resultados da reunião dos cinco ministros, lembrou que na organização “tudo está ligado”, e que as eventuais concessões na área de agricultura são “condicionais”: dependerão ainda dos avanços em outros temas de negociação, como abertura para comércio de serviços e em outros tópicos polêmicos.

Para Zoellick, a tarefa dos negociadores até julho, com base no documento a ser apresentado por Tim Groser, será na prática concluir o trabalho de preparação para as negociações que deveria ter sido feito no ano passado, na conferência ministerial da OMC realizada em Cancun, no México, e que terminou fracassada, entre outros motivos, pelas divergências em torno da negociação na área agrícola.