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País terá centro tecnológico de etanol

O Brasil é hoje, indiscutivelmente, a maior referência mundial em tecnologia para produção de etanol. Na corrida internacional pela conquista dos biocombustíveis, deflagrada pelo aquecimento global e a alta do petróleo, o País está mais para Michael Schumacher do que para Ayrton Senna.

Como fazia o piloto alemão nos melhores tempos da Ferrari, o País largou na pole position, colocou duas voltas de vantagem sobre os retardatários e agora passeia pela pista calmamente, sem ser ameaçado.

Mas esse sossego brasileiro está chegando ao fim. Os Estados Unidos, principal concorrente do País no setor, estão investindo pesado em pesquisas para o desenvolvimento do etanol de celulose, chamado “de segunda geração”. E já aparecem como um vulto incômodo no espelho retrovisor do Brasil.

Só o Departamento de Energia (DOE) americano está injetando mais de US$ 1 bilhão na construção de refinarias experimentais e diversos projetos de pesquisa voltados para a transformação de matéria vegetal em álcool combustível. Sem falar em outros investimentos milionários de governos estaduais, universidades, e de um batalhão de empresas de biotecnologia competindo como loucas para revolucionar o setor.

As pesquisas brasileiras, por outro lado, parecem estagnadas. Atento ao problema, o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) está criando em Campinas, no interior paulista, um centro nacional dedicado exclusivamente ao desenvolvimento tecnológico do etanol.

O Centro de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), como deverá ser chamado, prevê investimentos da ordem de R$ 150 milhões nos próximos cinco anos. O primeiro cheque, de R$ 10 milhões, já foi depositado, e as entrevistas para contratação de pessoal devem começar nesta semana, segundo apurou o Estado.

A justificativa para o centro é detalhada em um documento interno que descreve o projeto. Segundo o texto, a liderança do Brasil no setor “está seriamente comprometida em função da frágil base de pesquisa e desenvolvimento atualmente existente”. Portanto, considera-se “imprescindível, com absoluta urgência, iniciar um grande esforço de pesquisa e desenvolvimento, mais estruturado e mais intenso do que é feito atualmente”.

Caso contrário, conclui o texto, “a posição de supremacia que o País ocupa hoje poderá ser facilmente alcançada por países sem tradição na produção de etanol, mas que contam com ampla capacidade de investimentos em pesquisa direcionada”.

Planejamento

O centro será construído junto ao Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) e, assim como ele, será gerido pela Associação Brasileira de Tecnologia de Luz Síncrotron (ABTLuS), via contratos com o MCT. Uma usina experimental para produção de etanol celulósico também consta no plano de obras.

O projeto é filho de um estudo iniciado em 2005 pelo Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (Nipe) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), por encomenda do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), uma organização social ligada ao MCT. O projeto é coordenado pelo físico Rogério Cerqueira Leite.

O estudo mostrou que há vários projetos de pesquisa com etanol no Brasil, mas em número e escala muito abaixo do necessário para garantir a competitividade do País num futuro mercado internacional de biocombustíveis.

“A liderança que o Brasil tem hoje não caiu do céu; foi conquistada com muito desenvolvimento tecnológico”, afirma Marcelo Poppe, responsável por projetos de Energia do CGEE. “Precisamos investir de novo nesse esforço, ou seremos ultrapassados.”

Para a bioquímica Elba Bon, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), os esforços de pesquisa estão descoordenados. “Todo mundo quer fazer tudo, em vez de sentar junto e distribuir funções.

Falta uma organização de competências em torno de um objetivo único”, afirma Elba, que coordena uma rede de quase 20 grupos de pesquisa focada no etanol de celulose – o Projeto Bioetanol. “Nos EUA eles sabem o tamanho do desafio; aqui todo mundo se acha importante, todo mundo quer fazer tudo, da cana até o combustível.”

A proposta do CTBE é fazer esse ordenamento. Além de manter uma equipe própria de cem pesquisadores, o centro trabalhará com uma rede de laboratórios associados, articulando e financiando pesquisas com etanol em outras instituições. (Herton Escobar)