O pacote de estatização de empresas das áreas de eletricidade e de telefonia, anunciado anteontem pelo presidente venezuelano Hugo Chávez, abalou o mercado financeiro do país e foi recebido com “forte preocupação” pelo governo dos Estados Unidos. A Bolsa de Caracas caiu ontem 18,7%, e a negociação das ações de duas empresas que devem ser afetadas pela estatização – a CANTV (maior operadora de telefonia da Venezuela) e a Eletricidade de Caracas – foi suspensa depois de despencar mais de 20%. A cotação do bolívar, a moeda nacional, disparou no mercado paralelo. O dólar foi negociado por 4 mil bolívares, ante a cotação de 2.150 bolívares pela taxa oficial.
“As nacionalizações têm uma longa e pouco gloriosa história de fracassos ao redor do mundo”, disse o porta-voz da Casa Branca, Tony Snow. “Apoiamos o povo da Venezuela porque esse é um dia triste para eles.” Gordon Johndroe, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, disse esperar que “empresas dos EUA atingidas sejam compensadas rápida e justamente”.
Chávez, reeleito em dezembro para um terceiro mandato (que vai até 2013) com 63% dos votos, toma posse hoje. Ele anunciou seus planos de estatização como parte de um projeto de implementar um regime socialista no país. Chávez só se referiu explicitamente à CANTV, mas destacou a necessidade de retomar o controle de outras áreas, que foram privatizados antes de ele chegar ao poder, em 1999.
Os Estados Unidos são o principal parceiro comercial da Venezuela, que contribui com 11% das importações de petróleo americanas. O comércio bilateral cresceu 24% em 2006. Várias empresas americanas podem ser afetadas. A Verizon Communications detém 28,5% das ações da CANTV e a AES, que no Brasil comprou a Eletropaulo, controla a Eletricidade Caracas. As petrolíferas ExxonMobil, Conoco Philips e Chevron Texaco trabalham em projetos de exploração de petróleo no Orinoco.
O anúncio foi feito durante a posse do seu novo gabinete e surpreendeu os venezuelanos. Apesar de sua retórica socialista desde que assumiu o poder, Chávez não havia tomado decisões tão drásticas como as prometidas anteontem. Ele ainda determinou ao recém-nomeado vice-presidente Jorge Rodríguez que analise uma forma de aumentar o controle estatal nos projetos de empresas estrangeiras para exploração de petróleo na Bacia do Orinoco e prometeu acabar com a autonomia do Banco Central venezuelano. Além disso, Chávez disse que pedirá à Assembléia Nacional (parlamento) a aprovação da chamada “Lei Habilitante” – que lhe permite aprovar leis por decreto. Antes, havia anunciado que pretende reformar a Constituição e criar um partido único para unificar as correntes governistas.
“Chávez age como um déspota, e sua intenção de governar por decreto, ignorando a Assembléia Nacional, é uma vergonha para o sistema democrático”, acusou o líder da oposição, Manuel Rosales. Para Jose Luiz Betancourt, presidente da Fedecamaras, a principal federação empresarial do país, a estatização deve aumentar a corrupção no país. O ministro das Finanças, Rodrigo Cabezas, porém, advertiu: “Nenhuma circunstância de conjuntura vai deter nossa disposição de construir uma sociedade democrática.”
Armando Yanes, executivo da CANTV, exigiu explicações ao presidente. “O governo precisa explicar sua posição aos acionistas, como vai proceder, o quanto vai pagar, etc”, disse. A CANTV é a maior empresa privada do país e a única com papéis negociados na Bolsa de Nova York. Já o presidente do Banco Central venezuelano, Domingo Maza, disse que é “inconcebível” um Banco Central sem autonomia.