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Pacote agrícola se aproxima da posição brasileira

As propostas para a agricultura feitas pela Organização Mundial do Comércio (OMC) começam a se aproximar da posição do governo brasileiro em termos de redução de subsídios. Mas ignoram o pedido do Brasil de inclusão das barreiras ao etanol na agenda, o que foi considerado frustrante em Brasília.

O governo americano anunciou ontem mesmo que o texto “não é final” e trabalhará para que uma revisão seja debatida a partir de setembro. Na Europa, diplomatas também afirmam que têm “uma série de preocupações” com o pacote.

De fato, o teto para os subsídios proposto ontem é inferior ao defendido pelos Estados Unidos em Potsdam, há um mês. Inicialmente, os americanos sugeriram que estabeleceriam o teto dos subsídios em US$ 22,5 bilhões, ante os atuais US$ 49 bilhões. Os países emergentes exigem US$ 12,5 bilhões.

Após meses de negociações, a Casa Branca indicou, em Potsdam, que seu limite era US$ 17 bilhões e não poderia passar disso até por motivos políticos. Na atual proposta, o corte sugerido seria entre US$ 13 bilhões e US$ 16,4 bilhões e 20% do corte teria de ocorrer no primeiro ano após a conclusão de Doha.

O problema é que, no Congresso Americano, deputados já falam até mesmo em elevar o teto para US$ 20 bilhões. Para o autor da proposta, Crawford Falconer, um acordo só será possível dentro das margens apresentadas por ele. “Qualquer coisa fora disso significará que não teremos acordo”, disse.

Segundo diplomatas africanos, ainda que o valor proposto no texto seja menor que o que vinha sendo dito pelos americanos, a realidade é que pouco impacto teria. “Em 2006, os americanos deram US$ 11 bilhões em subsídios. A proposta significaria, portanto, que poderiam simplesmente continuar fazendo o que já fazem”, disse um embaixador de um país exportador de algodão.

Washington nega o argumento e afirma que, em seis dos últimos dez anos, deu mais de US$ 17 bilhões em subsídios. Para a Oxfam, se não houver regras de como esses recursos serão dados, os problemas continuarão. O Brasil admite que ainda não está seguro de que as regras poderão disciplinar os subsídios.

MODESTO

A OMC, porém, garante que o acordo impede que um só produto receba grande quantidade de recursos, já que um teto seria estabelecido. Hoje, apenas cinco produtos (milho, soja, arroz, trigo e algodão) recebem 93% dos subsídios americanos. O pacote ainda apóia a idéia africana de que o setor do algodão receba um corte substancial já nos primeiros anos de implementação do acordo.

Se em muitos aspectos o pacote exigirá flexibilidades dos países ricos no setor agrícola, diplomatas sul-americanos e entidades já alertam que o acordo pode ser considerado “modesto” em termos de redução das distorções. Em Genebra, negociadores ainda apontaram “desequilíbrios” entre o que o plano exige dos países emergentes no setor industrial o que exige dos ricos em agricultura.

Uma das frustrações foi a questão do etanol, ignorada na proposta. O Itamaraty pretendia incluir o tema na agenda como um bem ambiental e, pelas regras da OMC, passaria a ser isento de tarifas de importação. O Brasil considera a negociação um instrumento contra o protecionismo americano.

Os mediadores alegaram que não havia ainda uma convergência suficiente para que o etanol fosse incluído. Os países ricos chegaram a elaborar uma lista de bens ambientais, mas só incluíram bicicletas e barcos a vela, não o etanol.

Para especialistas, entre os países ricos, quem mais fácil poderia adotar as propostas seriam os europeus. Isso porque o pacote fala em corte de tarifas de importação na Europa que ficaria entre 66% e 73% para as barreiras mais altas. Em média, o corte seria de 52%.

A proposta inicial dos europeus era de corte de 39%, mas acabaram aceitando chegar perto de 54%, posição do Brasil e dos demais países do G-20. Em Potsdam, os europeus ainda acenaram com o corte de 70%, o que estaria dentro da proposta apresentada ontem.

O texto ainda estipula que cotas terão de ser criadas para produtores agrícolas que os países ricos considerem sensíveis, como açúcar e carnes. Segundo Falconer, a proporção de produtos sensíveis teria de ser de 4% a 8% do total de linhas tarifárias de um país rico. Originalmente, o Brasil queria de 1% a 4%.

Já para a fixação de cotas, os países importadores precisariam garantir espaço para até 6% do mercado consumidor para os produtos estrangeiros. Pela proposta de corte de subsídios, a maior redução ocorreria na Europa. O teto seria reduzido de 110 bilhões por ano para 27,6 bilhões. Bruxelas não terá problemas em chegar a esses valores, já que aprovou uma reforma e ainda não distribui a totalidade do que tem direito.

Apesar de não estar longe do pacote, Bruxelas ainda alega que tem “importantes preocupações” e critica a ausência de alguns pontos. “Já fizemos ofertas generosas, mas alguns pedem cada vez mais e sabem que não podemos oferecer”, disse Mariann Fischer Boel, comissária de Agricultura da Europa. Para ela, os EUA precisam cortar subsídios e os emergentes, oferecer mais acesso aos seus mercados industriais. “Isso precisa ocorrer logo”, disse ela. “Não podemos oferecer ganhos com retornos modestos.”

O que ainda preocupa os especialistas é a exigência para que os países emergentes, como a Índia, abram seus mercados agrícolas, algo que não estão dispostos a fazer.

NÚMEROS

US$ 16,4 bilhões

é a proposta para o teto dos subsídios agrícolas anuais

concedidos pelos EUA

US$ 11 bilhões

foi o valor dos subsídios recebidos pelos agricultores americanos no ano passado