A entressafra na produção de álcool é o momento em que se debatem mudanças para resolver um problema crônico do setor: a oscilação do preço, que já bateu em R$ 1,99 por litro nos postos do Paraná. Neste ano, o governo já reduziu a proporção de etanol na gasolina, discutiu a conveniência de reduzir a alíquota de importação do produto e vai oferecer R$ 2,5 bilhões para que sejam formados estoques reguladores. No fim do ano passado, também foram apresentadas novidades para a comercialização do produto. Mas por enquanto não existe garantia de que haverá progresso até a próxima entressafra.
A lógica do preço do álcool é igual à de outros produtos agrícolas. Quando a safra é colhida, a oferta sobe e o valor pago ao produtor cai. Na entressafra, a oferta cai e o preço sobe. No último an! o, essa oscilação foi brutal. No início da safra, em abril do ano passado, o litro do álcool chegou a custar R$ 0,66 nas usinas, antes da incidência de impostos, segundo um levantamento semanal feito pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Universidade de São Paulo (Cepea). Há duas semanas, o valor atingiu sua máxima histórica de R$ 1,32 – uma variação de exatos 100%.
Comercialização
Faltam instrumentos financeiros
A comercialização do etanol tem uma limitação ligada aos mercados financeiros e que intensifica a oscilação no preço ao consumidor. Ao contrário do que ocorre com as principais commodities, o combustível de cana ainda não tem contratos padronizados sendo negociados na BM&FBovespa e que poderiam proteger produtores e distribuidores das variações de curto prazo. Além disso, o mercado fica fechado para investidores que ajudariam na formação de estoques. “O uso de instrumentos como contratos futuros negociados em bolsa seria uma forma de ajud! ar os produtores e distribuidores a fazer uma espécie de seguro contra as oscilações de curto prazo”, explica a economista Mirian Piedade Bacchi, professora do Cepea. Essa negociação poderia ocorrer também com contratos de opção, que asseguram preços de compra e venda no futuro. “A consolidação desses instrumentos em bolsa dá mais liquidez ao mercado. O produtor, por exemplo, pode se financiar no início da safra ao fazer uma venda futura.” A formação de contratos padronizados ainda está em estudo pela BM&FBovespa. A modernização financeira do setor se uniria à figura do agente de comercialização, criada no fim de 2009 pela Agência Nacional do Petróleo (ANP). Até então, apenas usinas e distribuidores vendiam e compravam etanol. Agora, qualquer investidor tem como firmar um contrato com usinas, o que pode levar a mais investimentos privados para a formação de estoques.
Clima agravou o problema
A disparada do preço do álcool foi influenciada por problemas climáticos que agravaram a redução da oferta normal nesta época do ano. As chuvas no Centro-Sul desde novembro de 2009 fizeram com que a produtividade das usinas caísse 7% – a umidade do solo reduz o açúcar recuperável na cana. Também contribuiu para o reajuste a preferência das usinas em fabricar açúcar, que está com cotações altas no mercado internacional. Na safra 2008/2009, 40% da cana colhida foi usada na produção de açúcar, porcentual que subiu para 43% no ciclo atual.
Os gargalos na oferta encontraram um mercado beberrão. O consumo de álcool hidratado (que abastece os carros flex) cresceu 24% em 2009, passando de 13,2 bilhões de litros para 16,4 bilhões de litros. No caso do etanol anidro (adicionado à gasolina), houve uma pequena queda, de 1%, para 6,2 bilhões de litros. “Estamos lidando com um aumento forte de consumo. Por isso qualquer imprevisto na safra tem impacto muito grande no preço final”, diz Anísio Tormena, presidente da Alcopar.
A principal medida do gov! erno para minimizar a alta foi reduzir a proporção de etanol misturado à gasolina de 25% para 20%. A alteração foi contra o que pedia a indústria – as usinas preferem uma regra estável e argumentam que os cerca de 100 milhões de litros que serão consumidos a menos por mês não farão muita diferença na bomba. Para especialistas no setor, o consumidor só voltará a ter álcool com custo mais vantajoso que o da gasolina a partir de meados de março, quando começa a moagem da safra 2010/2011.“A safra vai ser boa. Agora falta o país resolver os gargalos para melhorar o sistema de comercialização”, resume Bruno Bosz, analista da Agra FNP.
A prova de que a alta recente do produto está dentro do padrão é que seu preço médio nas usinas em 2009 foi de R$ 0,87, pouco acima dos R$ 0,85 de 2008 e abaixo do recorde histórico de 2006, quando foi de R$ 0,99 (isso em valores sem correção pela inflação). Para a maioria dos produtos, a variação durante o ano, além de normal, é necessária para da! r os sinais corretos para produtores e consumidores. Se o preço da laranja sobe, as pessoas podem preferir outras frutas, enquanto os agricultores terão incentivo para aumentar os pomares. O etanol, no entanto, tem uma característica estratégica que não é comum a tomates e cenouras.
A álcool foi adotado pelo governo brasileiro como um substituto para a gasolina em políticas de redução da dependência do petróleo e, mais recentemente, de emissões de gases do efeito estufa. E com razão. O combustível renovável é uma boa alternativa para a formação de uma matriz energética mais limpa – fato que foi aceito oficialmente no início do mês pela agência ambiental dos Estados Unidos, a EPA. A substituição da gasolina, porém, não pode ficar restrita ao período de safra. A imprevisibilidade dos preços prejudica a formação de contratos e leva a alterações constantes de políticas públicas (como visto no Brasil com a redução na proporção de etanol na gasolina), problemas que elevam o risco dos investimentos que o país pretende atrair no setor.
“Essa variação não é boa nem para o consumidor, nem para o produtor. Nós não queremos perder a preferência do consumidor, que também não quer gastar mais com combustível”, diz Anísio Tormena, presidente da Associação dos Produtores de Bioenergia do Paraná (Alcopar). “A maior parte da safra foi vendida com preços baixos, porque as usinas precisavam fazer caixa. Agora que o preço está alto, a maior parte não tem etanol para vender”, diz.
Alternativas
Aumentar a estabilidade do mercado de álcool sem retirar a eficiência do mecanismo de formação de preços é um desafio que se coloca há décadas. A medida mais básica é o estímulo à criação de estoques reguladores, de preferência privados. “No ano passado, o governo reservou R$ 2,5 bilhões do BNDES para a formação de estoques, mas não deu certo. Eram pedidas muitas garantias, coisa difícil para um setor com dificuldade de caixa”, lembra Bruno Bosz, analista da consultoria Agra FNP. Neste ano, o governo voltou a acenar com o dinheiro. Resta saber se as condições serão adequadas.
Uma alternativa, enquanto o estoque privado não se forma, é uma atuação mais forte do governo, como ocorre em produtos como o trigo. “O governo poderia adquirir etanol em leilões durante a safra e colocar o produto no mercado no fim do ano. Uma outra alternativa é ele atuar com empréstimos para as usinas esperarem mais pelo momento de comercialização”, afirma Miguel Biegai, analista da consultoria Safras & Mercados. Esses mecanismos trazem a desvantagem de o governo ter chances de errar em suas escolhas. Ele poderia formar estoques grandes e desnecessários, estimulando uma produção acima da demanda.
Há também medidas ligadas ao comércio exterior. O governo cogitou retir ar a sobretaxa de 20% que recai sobre o álcool importado, mas a medida ficou para julho. A princípio, a ideia é defendida pelas usinas mais como forma de pressionar pela abertu! ra de mercados de outros países. “Mas se a alíquota não existisse, seria viável trazer etanol dos Estados Unidos na entressafra. Se o álcool fosse vendido como uma commodity internacional, seria mais fácil gerir gargalos de oferta, tanto aqui como lá fora”, diz Biegai.