Entendimento entre o governador paulista, José Serra, e a União da Indústria de Cana de Açúcar (Unica), que defende os interesses dos usineiros do Estado, garante a antecipação em sete anos do fim das queimadas na colheita da cana.
Uma lei estadual, a 11.241, de 2002, previa esse objetivo apenas para 2021. As queimadas se fazem imediatamente antes do corte. Um fogo rápido sapeca o canavial para eliminar a palha (folhas secas) e facilitar o trabalho manual.
Essas queimadas são parte do processo de produção. São feitas desde que a cultura da cana-de-açúcar foi introduzida no Brasil. O problema é que lançam uma quantidade colossal de monóxido de carbono na atmosfera (cerca de 800 milhões de toneladas por ano apenas em São Paulo) misturada com fuligem e cinza. Nos dias de vento, as cidades próximas do canavial recebem essa carga que invade as casas e obriga a população a respirar um ar carregado de partículas negras. A criançada na escola, onde as janelas não podem permanecer fechadas, não pára de tossir. O prejuízo para a saúde e para a limpeza pública é incalculável.
Sem as queimadas, a colheita manual fica impraticável. Um trabalhador corta, em média, 10 toneladas de cana por dia. Dispensada a queimada, não passaria de 2 ou, quem sabe, 3. A solução é a utilização intensiva da colheita mecânica, que só não é praticável em solos com declive superior a 12%. No ano passado, em São Paulo, apenas 26% da cana foi colhida por colheitadeiras.
O governador José Serra vai tratando de reduzir a deterioração da qualidade do ar e, ao mesmo tempo, de reduzir os custos da saúde pública no atendimento às deficiências respiratórias.
Está também se antecipando a um provável movimento de europeus e americanos que se apegam a argumentos ambientalistas para expandir seu protecionismo comercial e, assim, restringir importações de produtos brasileiros, especialmente agora que a qualidade e o baixo custo de produção do etanol nacional vão sendo reconhecidos.
O presidente da Unica, Eduardo Carvalho, não esconde que há um importante objetivo de marketing por trás da iniciativa. O produtor que conseguir eliminar inteiramente as queimadas ganhará um certificado (selo verde) emitido pela autoridade ambiental e seu produto (etanol) terá mais aceitação no exterior.
Mas a mecanização eliminará ao menos 250 mil empregos: os 165 mil hoje existentes e mais 85 mil que se criariam com a expansão para dar conta da demanda de etanol. Uma única colheitadeira de cana corta cerca de 700 toneladas diárias e pode substituir 70 pares de braços. Isso eliminará outra acusação que vem de fora: o de uso de trabalho semi-escravo na produção de etanol.
A iniciativa de acabar com o foco de poluição é elogiável. Mas é preocupante a falta de empenho no remanejamento do pessoal que ganha o pão que o diabo amassou. Esses bóias-frias, sem-grana e sem-teto, vão se tornar sem-queimada. Vão deixar de empunhar o facão entre abril e dezembro, safra no Centro-Sul, e tenderão a engrossar os acampamentos dos sem-terra.