Mercado

Os problemas nas exportações

Por trás do comportamento espetacular da exportação este ano, que bateu todos os recordes e deve fechar dezembro com valor superior a US$ 95 bilhões, há alguns dados que preocupam o governo. O ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, chama a atenção para o que está acontecendo com o mercado americano.

Há dois anos a participação das exportações para os EUA está em queda e ele pretende, em 2005, fazer uma ofensiva junto ao Departamento de Comércio daquele país, para buscar uma reação. Este será um dos principais focos da política de comércio exterior para o próximo ano. “Não podemos ficar apáticos em relação ao maior mercado individual do mundo”, avisa.

Em 2002, os EUA absorviam 25,74% das vendas externas brasileiras. Neste ano, essa participação caiu para 21,1%, percentual inferior aos 23,2% de 2003. O crescimento das exportações totais até novembro foi de 31,9%. Para os EUA, ficou bem abaixo, em cerca de 20%. “É preocupante, para nós, que o crescimento das vendas para os EUA está abaixo da média”, avalia Furlan.

No primeiro semestre, quando os dados indicavam um acréscimo de apenas 8% nas vendas para o mercado americano, o governo buscou contatos com o secretário de Comércio, Don Evans, em dois momentos diferentes.

Os canais de relacionamento, apesar da reeleição de George W. Bush, estão sendo trocados e o governo brasileiro terá que retomar as conversas com novos interlocutores em 2005. “É importante ter uma pauta positiva com os EUA. Discutir problemas e oportunidades”, assinala o ministro.

Isso depende, na ótica de Furlan, mais de ofensivas regionais do que de grandes negociações em torno da Alca. Ele acredita que a estratégia para recuperar e aumentar a oferta de produtos brasileiros no mercado americano é “ocupar espaços em regiões pouco exploradas até agora”.

Cita alguns exemplos de iniciativas que devem ser reproduzidas: “Estamos alugando armazéns alfandegados para entrega imediata dos produtos, na Flórida. Também temos que explorar a Califórnia, onde as regras de meio ambiente são mais rígidas que as do Protocolo de Kyoto e isso possibilita mercado para nossos projetos de energia renovável”.

Para o comércio externo, ele tem apenas uma meta em 2005: levar as exportações a superar o marco de US$ 100 bilhões. Parece uma tarefa fácil se comparada à meta deste ano, que é encerrar dezembro com vendas de US$ 94 bilhões.

Na projeção de balanço de pagamentos do Banco Central, esta cifra chegaria a US$ 95,3 bilhões este ano e a US$ 100 bilhões em 2005. Representaria, portanto, crescer só 5% sobre as exportações de 2004, percentual modesto frente os quase 32% de aumento até agora.

Furlan, porém, não está tranqüilo quanto a isso. Em entrevista ao Valor, publicada na edição de ontem, ele salientou que ” a taxa de câmbio será fator determinante das exportações em 2005″ e, para o ministro, a valorização do real não traz conforto.

“Não sou pessimista, mas não podemos esperar que essa maré vai continuar”. O crescimento das exportações, em 2005, será menor do que os mais de 30% de 2004 por vários motivos. “No agronegócios, por exemplo, este ano, o setor conseguiu pagar os custos da logística, de uma fila de 100 km nas estradas, por exemplo. Com a queda dos preços internacionais das principais commodities agrícolas, 2005 não comportará esses exageros”.

Há setores que exportam de qualquer forma, como agronegócios, aço, celulose. Esses não vão deixar de exportar por causa da taxa de câmbio.

“Ao contrário do que se diz, não nos preocupa uma queda das exportações de aço, por exemplo, porque elas acabam indo para o exterior compondo produtos de maior valor agregado, como veículos”. Mas há algumas áreas de “risco”, onde a variável taxa de câmbio é decisiva.

“São os setores onde a opção do empresário é investir para continuar exportando ou para atender à demanda interna. Tais como eletroeletrônicos, calçados, mesmo os automóveis, setores que tiveram impacto de custos (aumentos do preço do aço e em toda a cadeia petroquímica, e reajuste das tarifas públicas) e a rentabilidade caiu pela valorização do real.

“Como a remuneração caiu em reais, a equação não fecha”, acredita o ministro. “Quem está fazendo planejamento para 2005 e precisa convencer seus acionistas a investir no país, vai fazer essas contas”.

Ele discorda dos argumentos técnicos da área econômica, que indicam que a taxa de câmbio no patamar atual, na casa dos R$ 2,70, ainda está bem acima da média dos últimos 10 anos. “Nós, aqui, procuramos interpretar a sensibilidade dos setores da economia. Quando eu falava, com base nessa sensibilidade, que o PIB ia crescer 5% este ano, muitos davam risada”, reage.

Se os efeitos de uma valorização do real ainda não apareceram no desempenho das exportações, é porque há um “gap” entre causa e efeito. “Todas as empresas que exportam trabalham com adiantamento de câmbio. Hoje a empresa exporta com base no contrato que fechou com a taxa de câmbio de junho. Há um efeito inercial”. A inércia funciona tanto na subida quanto na queda das exportações. Não é uma compra de supermercado, que você vai lá, pega e paga. ‘Tem toda uma negociação”. diz. “Frente ao cenário que aí está, alguns não vão investir e outros não vão exportar”.

Para Furlan, há problemas também nas negociações internacionais. “O acordo entre União Européia e Mercosul deveria ter sido fechado este ano e não fechou não por culpa só dos europeus. O Mercosul tem parte da culpa. Os dois lados acabaram entrando numa zona de risco quando poderiam ter resolvido isso na metade do ano”, afirma.

Outra prioridade é ver qual é o destino do Mercosul. “A agenda Mercosul foi abandonada há oito anos. Provavelmente, regrediu nos últimos dois anos. Se as medidas que os argentinos propõem emplacarem, vamos retroceder ainda mais. É voltar à estaca de 1994”.

Os alertas de Furlan são mais do que procedentes. Não há a menor hipótese de se negligenciar o mercado americano; seria bastante útil saber o que será do Mercosul; e a taxa de câmbio é decisiva para a política de comércio exterior.

Não é razoável, porém, imaginar que é preciso ter uma moeda bastante desvalorizada – com seus efeitos deletérios sobre o salário real – para cobrir os custos da ineficiência logística do país e remunerar bem os exportadores.