Conheça as pequenas e médias empresas que enxergaram oportunidades na urgência de modernização das usinas de álcool e açúcar. Fornecendo tecnologia e novos serviços a um setor em expansão, elas crescem extraordinariamente
Germano Lüders
Girardi, da Próxima: aumento de 30% ao ano nas vendas de softwares
Por Juliana Borges
EXAME
Na pequena cidade de Assis, na região oeste do estado de São Paulo, fica a sede da Próxima, uma empresa de 30 milhões de reais de faturamento especializada em fabricar softwares para gestão da produção de cana-de-açúcar. Desde 2003, a Próxima vem crescendo ao ritmo de 30% ao ano — desempenho excepcional mesmo no caso de pequenos negócios prósperos. Hoje, um dos maiores problemas de Gilberto Girardi, de 42 anos, um dos sócios da companhia, é atender a todos os pedidos de clientes. “A procura pelos nossos produtos está aumentando muito”, afirma. “Cerca de 40% da cana nacional já é processada com nossos softwares e, até o fim do ano, esse número deve passar para 45%.”
Depois de anos estagnado, o setor sucroalcooleiro finalmente renasceu no Brasil, graças ao aumento da procura mundial por etanol como alternativa ao petróleo. As usinas nunca produziram tanto. Para ganhar o mercado global, elas precisam aumentar rapidamente a produtividade — o que impulsiona a demanda pelos softwares da Próxima, que ajudam a fazer um plano da safra, a detectar a melhor data para a colheita e a identificar gargalos na produção.
Assim como a empresa comandada por Girardi, muitas outras companhias de pequeno e médio porte que fornecem produtos e serviços às usinas de álcool e açúcar também estão passando por um período de euforia. Com a necessidade urgente de modernização do setor, elas têm uma enorme e rara oportunidade de expandir seus negócios muito rapidamente. “Além de atender às 300 usinas que já existem, as pequenas e médias empresas serão beneficiadas com as quase 100 novas unidades que serão construídas no país até 2010”, diz Antônio de Pádua Rodrigues, consultor da União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Unica). Além da Próxima, outras empresas paulistas são exemplos de crescimento, inovação e sucesso na cadeia produtiva do açúcar e álcool — como a Agrop, que terceiriza transporte e mão-de-obra na lavoura; a Purifilt, fabricante de filtros para óleo diesel de motores; a Bortolot, que produz e instala painéis eletrônicos para controle de usinas; e a CanaVialis, que pertence ao grupo Votorantim e faz pesquisa genética de novas espécies de cana.
O maior pólo sucroalcooleiro do país fica no interior de São Paulo, estado que produz 60% da cana nacional. É também nessa região que está concentrada grande parte das empresas de pequeno e médio porte fornecedoras de tecnologia, sobretudo em Sertãozinho. A cidade, que fica no norte do estado, a 25 quilômetros de Ribeirão Preto, é um exemplo do vigor e da modernização do setor sucroalcooleiro na última década. Conforme dizem os empresários locais, lá é possível comprar, em um único dia, componentes para uma usina inteira — das máquinas aos fertilizantes, das caldeiras aos parafusos. A cidade concentra mais de 200 fabricantes ligados ao setor. Boa parte são pequenas e médias empresas.
Ali, muitos negócios crescem a taxas anuais espantosas. É o caso da Bortolot, fabricante de painéis de controle para usinas. “Em seis anos, nosso faturamento anual passou de 6 milhões para 17 milhões de reais”, diz Devanir Bortolot, de 48 anos, um dos sócios da empresa. Os painéis que a companhia produz servem para controlar o funcionamento das caldeiras e de outros equipamentos. Há três anos, a Bortolot colocou no mercado painéis inteligentes que permitem usar o mínimo de energia necessária em cada equipamento. Com isso, consegue-se redução de até 30% na energia elétrica consumida. Essa economia trazida pela inovação tecnológica está tendo o efeito de um fermento nas vendas. “Em um ano e meio, planejamos e executamos o projeto elétrico de duas usinas e de oito fábricas de açúcar”, diz Bortolot. “Recebemos cada vez mais pedidos de usinas instaladas em regiões que não plantavam cana até algum tempo atrás.”
Durante séculos, a cana, primeira grande lavoura que movimentou a economia brasileira, foi cultivada basicamente da mesma forma: em áreas extensas, com baixa produtividade, sem mecanização e, muitas vezes, com mão-de-obra em condições degradantes. Porém, de uma década para cá, esse panorama vem se transformando radicalmente. As usinas estão deixando de ser fazendas arcaicas para se tornar empresas modernas e lucrativas. Para isso, elas estão investindo em tudo — tecnologia, pesquisa genética, logística e terceirização de mão-de-obra.
É aí que entra a participação das pequenas e médias empresas. As usinas não podem perder o foco no seu negócio principal — a produção de açúcar e álcool. “Precisamos de quem nos forneça tecnologia e inovação, tanto na área agrícola como na industrial”, diz Rodrigo Sanches, herdeiro da usina São Domingos, em Catanduva, no interior de São Paulo. A São Domingos tem uma lista com 18 pequenas e médias empresas prestadoras de serviços. Entre esses pequenos empreendimentos há até uma consultoria na área das ciências exatas, contratada para otimizar o gerenciamento das centenas de variáveis envolvidas nas tecnologias de produção e na sua logística. “É preciso saber aplicar a melhor combinação possível para ter o lucro máximo “, diz o físico Aguinaldo Ricieri, responsável pelo projeto de modernização.
Um dos campos que mais oferecem oportunidades às pequenas e médias empresas é a pesquisa de ponta. Companhias que desenvolvem novas espécies de cana com manipulação genética, estudam alternativas de aproveitamento do bagaço e aprimoram técnicas ligadas à agricultura de precisão, entre outras atividades, estão levando inovação ao campo e encontrando terreno para crescer. É o caso da CanaVialis e da Alellyx, empresas que nos últimos três anos receberam 40 milhões de dólares da Votorantim Novos Negócios (VNN), área do grupo Votorantim que faz investimentos em empresas emergentes. “O potencial de crescimento dos pequenos negócios em áreas ligadas ao desenvolvimento tecnológico é grande”, diz Fernando Reinach, diretor da VNN. “Nos setores em que o Brasil é líder, como é o caso do etanol, esse potencial é ainda maior.” Com sede em Campinas, a CanaVialis faz pesquisas para melhorar geneticamente espécies de cana e também dá consultoria em plantio e manejo da produção. Esse tipo de conhecimento é importantíssimo para o planejamento estratégico das grandes usinas. O valor de uma plantação de cana é determinado pelo seu teor de sacarose — quanto mais açúcar por tonelada, mais valiosa é a cana, porque maior é também seu teor energético. A manipulação genética em laboratório possibilita a criação de novas espécies que contenham mais sacarose e, portanto, sejam capazes de produzir mais etanol ou açúcar.