A inteligência do setor sucroalcooleiro continua claudicante. Se na primeira fase do PROÁLCOOL ganhou-se o mercado por imposição, na segunda fase a militância institucional, destituída do mínimo de organização, precipitou significativa perda desse mercado. Desenha-se, agora, uma terceira fase por iniciativa dos agentes sócio-econômicos, mas, no setor sucroalcooleiro a coisa parece imperceptível, não pelo menos na intensidade que fluem os acontecimentos.
Quando todos, incontestavelmente – fabricantes, mídia e consumidores – falam em motores de combustível flexível, ressurge tardiamente defesa pela motorização exclusivamente a álcool. É preciso perceber que a tecnologia do motor com combustível flexível abre perspectiva do álcool conquistar várias marcas, modelos e mercados, não simplesmente um ou dois modelos de favor. Quem sabe, no futuro, teríamos disponíveis todos os automóveis dotados dessa facilidade.
Defender a retomada da fabricação de carros com motores movidos à álcool tem semelhança à tese de advogar a recriação da instituição do controle estatal; ambos intercedem a favor da reserva de mercado. Os produtores devem considerar, definitivamente, a modernização nas relações com os consumidores, se realmente desejam o destino de consumo cativo para o álcool.
Da mesma maneira que as montadoras relutam em ter duas linhas de montagem, os destiladores de álcool deveriam suprimir a produção do álcool hidratado para fins carburantes. Produzir somente álcool anidro terá conseqüências mercadológicas fantásticas – a compreensão do consumidor, em optar pelo uso puro daquele que é igualmente adicionado à gasolina, tem um sabor de melhor qualidade. A percepção para o consumidor fica mais lógica, além de reduzir custos de armazenamento e de distribuição. Para os produtores é indiferente, tanto que no presente ano safra, em virtude do preço melhor, todos já produziram muito mais álcool anidro. Para combustível é preciso parar com essa besteira de álcool hidratado, somente porque algumas indústrias carecem de pequenas adaptações.
Desatados os defeitos do passado e pensando na conquista de mais consumidores, por aqui começaria uma metamorfose do álcool, com a disposição do produtor de oferecer um produto único, mais puro, de melhor qualidade, facilidades de uso e a indiferença, se para mistura oficial, uso exclusivo ou “batizar” o tanque na conveniência do bolso. Aliás, é o consumidor quem vai decidir sempre!
Os produtores estariam realmente entrando numa economia de mercado, em que a aceitação dependeria de duas regras, apenas: 1ª) colocar o produto nos pontos de venda competitivamente com os concorrentes fósseis, e; 2ª) persuadir o consumidor das vantagens de adquirir o álcool.
Quais seriam as vantagens dessa radical mudança:
Para o consumidor
– Poder escolher o combustível de menor peso no orçamento;
– Todo cidadão, consciente dos benefícios ambientais, teria como optar em abastecer seu automóvel com combustível limpo;
– Ter muitas marcas e modelos de automóveis e utilitários, inclusive os importados, para optar pelo álcool carburante;
– Poder viajar com o automóvel próprio para qualquer localidade, inclusive para o exterior, sem correr riscos.
Para o produtor
– Estar desonerado da catastrófica culpa pelos desabastecimentos, por eventual escassez, como aquela ocorrida em 1989 (viva na memória) e, provavelmente, na pré-safra de 2.001;
– O consumidor não seria afetado por usar temporariamente outro combustível, validamente teria a chance de comparar o desempenho entre um e outro;
– Os espaços para estocagem seriam racionalizados com um tipo de álcool único;
– Quando o mercado de açúcar apontar vantagens não surgiria o fantasma em deixar de produzir álcool, a não ser o compromisso dos retornos sobre os investimentos aplicados na persuasão dos consumidores
Para os distribuidores
– Redução nos custos de distribuição do álcool – menor custo de fretes e de capital de giro para manutenção de estoques reguladores.
Para as montadoras
– Seus modelos flexíveis seriam igualmente exportáveis;
– Terminaria a pressão em produzir veículos exclusivamente a álcool, as dúvidas e indefinições do mercado;
– Compromete o desenvolvimento de motores de melhor tecnologia para adaptarem-se bem em qualquer mistura, pois a gritaria seria do consumidor, implacável quando não funciona bem;
– O motor de combustível flexível tenderá ser muito mais eficiente quando utiliza álcool, isto porque o projeto do motor deverá atender a taxas de compressão maiores, beneficiando o etanol. Alcançar uma taxa de compressão intermediária representará um retrocesso para a gasolina.
Para os governos
– Estariam livres para estimular ou incentivar a utilização do álcool, sem preocuparem-se com a cadeia econômica, dedicando-se as questões ambientais e sociais;
– Poderiam recomendar, localmente, o uso do álcool para reduzir a poluição urbana, principalmente na ocorrência de inversão térmica, e induzir o consumidor a utilizar o combustível renovável sem desgastes políticos;
– A experiência poderá mostrar ao mundo como preocupar-se efetivamente com o meio ambiente;
– Não teriam de reformular constantemente políticas por questões de desabastecimentos temporários.
Aperceber essa evolução e adaptar-se às novas tecnologias, consolidaria definitivamente o álcool como carburante na cultura do consumidor, independentemente de matriz energética ou outros instrumentos que fazem lembrar a lei de doação de órgãos. Não pegou porque o cidadão não foi convencido – logo, foi revogada pelo desinteresse social.
Acreditar no álcool é acreditar na capacidade de formar novas gerações comprometidas com soluções energéticas renováveis, interpretando-se como meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida.
A tecnologia de transição da motorização de automóveis deriva para a utilização de combustível flexível, de fácil adaptabilidade e tem a preocupação de não deixar o consumidor na mão, enquanto no Brasil existe certa relutância em relação a essa tendência.
Ganhar mercado é como arriscar-se em pegar a onda maior. Entretanto, a segnícia do setor sucroalcooleiro persiste no velho modelo de esperar que alguém faça alguma coisa, como se fosse possível a sociedade salvaguardar interesses privados. Caberá à classe produtora demonstrar adaptabilidade às modernas estratégias de mercado, se quiser ficar sobre a “onda”, mudando a história e a perspectiva do álcool carburante no Brasil.
Claudinor Oscar Belodi, sócio-diretor da empresa Cepal – Tecnologia e Arquitetura de
Empreendimentos, de Jaboticabal (SP).