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Os desafios do álcool

O interesse do mu ndo pelo etanol brasileiro é um namoro que pode dar em casamento ou corre o risco de ser um entusiasmo de vida curta, feito as paixões passageiras que terminam sem deixar lembranças? Formulada assim, a pergunta parece simplista, mas as dúvidas em relação à capacidade de o país corresponder às expectativas criadas em torno do etanol permearam debate recente que reuniu em São Paulo empresários, investidores, políticos e especialistas em energia do mundo inteiro.

De Felipe Gonzalez, ex-primeiro-ministro da Espanha, passando pelo economista Daniel Yergin – oráculo das grandes corporações e chefes de governo em questões de energia – até o megainvestidor George Soros, os convidados do encontro promovido pela Unica – União da Indústria de Cana-de-Açúcar, reconheceram as oportunidades que se abrem ao Brasil em razão de seu sucesso na substituição de combustível fóssil pelo álcool.

Ao pesquisar, no início dos anos 80, alternativas que só mais tarde entrariam no radar das nações ricas, o Brasil acertou dois alvos com um só tiro. O objetivo era tornar-se menos vulnerável a choques de petróleo, mas descobriu que a mistura do álcool tornava o ar mais limpo – uma vantagem que, com o passar do tempo e o fortalecimento da consciência ambientalista em todo mundo, ganhou peso estratégico.

Graças à eficiência no cultivo de cana e fabricação de álcool, o país depara-se com oportunidade de ouro para exportar não só grandes volumes de etanol, mas também tecnologia, equipamentos e capacidade de gestão do negócio.

Para isso, no entanto, muitos entraves precisam ser removidos, sob pena de o ciclo do etanol acabar se somando a tantas esperanças frustradas da história econômica. Em conversa com jornalistas em São Paulo, Soros, que está investindo um bilhão de dólares em três usinas de álcool no Mato Grosso do Sul, chamou a atenção para a “maldição dos recursos naturais”, numa referência à incapacidade de países como o Brasil de usá-los para impulsionar novo ciclo de crescimento econômico.

Romper as barreiras tarifárias que inviabilizam as exportações do etanol brasileiro para os países ricos constitui um dos primeiros desafios para evitar a reedição dessa história. “Há um paradoxo nesse mercado – existe oferta no Brasil e uma fome de combustível no mundo”, diz Soros

Há outros desafios. Um diz respeito à infra-estrutura necessária a garantir o escoamento do álcool das usinas aos portos. A Petrobras anunciou a construção de um alcoolduto – investimento de meio bilhão de reais – que ligará Senador Canhedo, GO, à refinaria de Paulínia, SP.

O PAC – Plano de Aceleração do Crescimento, do governo federal, prevê novos investimentos em ferrovias e hidrovias em parceria com a iniciativa privada. Para não perder o bonde da história, serão necessários investimentos em pesquisa e desenvolvimento. As aplicações do etanol, por exemplo, vão além do uso como combustível no carro da família.

Há poucos meses, pesquisadores da universidade de Saint Louis, nos Estados Unidos, apresentaram uma célula de biocombustível à base de etanol. Com isso, pode-se pensar na produção de baterias para pequenos computadores, celulares e iPods.

Da lista dos entraves ao etanol brasileiro devem constar ainda as pressões ambientais e sociais que, fatalmente, surgirão. A Comissão Européia deve anunciar, em novembro, as exigências que irá impor aos países interessados em exportar o produto para o mercado europeu.

O próprio Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, ligado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, sugere limites na produção de excedentes de álcool para o exterior. A corrida ao etanol brasileiro provoca entusiasmo e atrai investidores internacionais, mas, como se vê, vai exigir muito fôlego dos participantes.