Dois contenciosos, um sobre algodão contra o Estados Unidos e o outro sobre açúcar contra a União Européia, marcaram o processo liberalização comercial da agricultura mundial. Criados e iniciados em 2002, tiveram sua continuidade administrada de maneira competente pela atual administração federal. O Brasil venceu os dois dentro do sistema de solução de controvérsias da Organização Mundial de Comercio com a decisão do órgão de apelação em 2005.
Os contenciosos eram diferentes entre si. Os dois porém contestavam o efeito de políticas agrícolas apresentadas como de simples apoio domestico. EUA e UE reagiram de maneira diversa.
A União Européia, talvez compreendendo que chegara o momento de alterar sua extremamente destorcida política açucareira, se preparou com antecedência para a provável derrota. Embora tenha se defendido juridicamente com competência na OMC, o Comissário Agrícola Europeu Franz Fischler apresentou, antes da decisão de primeira instancia do painel de arbitragem da OMC, proposta de reformulação do regime que, com pequenas alterações, foi aprovada o ano passado. Sem nunca confessar explicitamente, utilizou o contencioso como argumento para modernizar a política interna. Muito em breve a Europa deixará de exportar, saindo da posição de maior concorrente do Brasil.
Os Estados Unidos reagiram e ainda reagem de maneira oposta. Embora a vitória brasileira do contencioso tenha provocado quase um cataclisma entre os agricultores americanos nunca o poder executivo, legislativo ou agricultores aceitaram que precisam mudar. Embora os subsídios sejam vergonhosamente elevadíssimos – hoje equivalem a quase o dobro do que em 2002, quando o contencioso foi iniciado -, a decisão da OMC permanece politicamente contestada em Washington.
Cumpre destacar como o Brasil tem se posicionado neste importante contencioso.
A OMC separou sua decisão em relação ao algodão em dois blocos com datas diferentes para serem cumpridas. No primeiro, definida desde primeira instância como 1º de julho de 2005, a OMC determinou que um conjunto pequeno, porém importante, de políticas de apoio à exportação são ilegais e deveriam ser interrompidas. No segundo, com data de 21 de setembro de 2005, a OMC determinou que grande conjunto de políticas de apoio aos americanos deveriam ser alteradas para cessar os danos econômicos causados a países como o Brasil. Pouco antes de 1º de julho de 2005 o governo federal fez acordo com a Casa Branca garantindo maior prazo para o fim das políticas ilegais, que ficou para 1º de agosto de 2006. Enquanto isso os brasileiros enfrentam uma de suas maiores crises.
O segundo bloco de políticas que precisam ser alteradas exigirá maior firmeza do Brasil. Não se sabe se existe algum tipo de acordo secreto com o Executivo americano, mas o tempo passa e Washington ignora por completo a necessidade de alterar sua política agrícola para o algodão.
Qualquer observador minimamente atento tem a certeza de que não existe nenhum esboço de ação em Washington no sentido de fazer cumprir o que a OMC determinou. Os EUA trabalham claramente com a hipótese das reduções a serem negociadas na rodada Doha atenderem o contencioso e o Brasil se ver satisfeito.
Lamentavelmente o Brasil insiste em não relacionar a rodada Doha com o contencioso perdendo a oportunidade de pressionar por progresso hoje muito difícil na negociação multilateral. Ignorou o contencioso em Hong Kong e aparentemente também nos contatos com os países africanos. A OMC determinou que os EUA reduzissem os subsídios imediatamente. Os mesmos subsídios que na rodada Doha eles se recusam a negociar com os paises africanos.
É difícil compreender este posicionamento do atual governo. O contencioso tem relação direta com a rodada. Para o Brasil seria de grande valia que os resultados do contencioso se antecipassem aos de Doha e não o inverso. Esperamos que o Brasil não perca mais tempo, acionando imediatamente a OMC para obrigar os EUA a cumprir o decidido. É lamentável não utilizarmos o que já ganhamos para pressionar a rodada. Não tem sentido passar anos negociando quando o acordo não é cumprido nem mesmo após longo contencioso.