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Oposição de Chávez ao etanol vai marcar cúpula energética

Após dois encontros com o presidente americano George W. Bush no mês passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva enfrentará o crítico mais ácido da cooperação Brasil-Estados Unidos sobre biocombustível em um evento de total interesse do governo brasileiro, a 1ª Cúpula Energética Sul-Americana.

Hoje e amanhã, na Venezuela, Lula tenta imprimir pragmatismo às discussões que terá com Hugo Chávez e os presidentes dos dez países da América do Sul sobre a integração energética da região. Em especial, tratará com Chávez sobre o projeto do Gasoduto do Sul, que cortará o Brasil, levará o gás venezuelano a mais quatro países da região e se conectará com jazidas do Peru e Bolívia.

Os espíritos foram aparentemente desarmados para o encontro. Em março, enquanto Lula firmava acordo com Bush, Chávez vociferou contra o estímulo à produção de biocombustível em afinação completa com o presidente de Cuba, Fidel Castro. Na ocasião, defendeu que os biocombustíveis são irracionais e antiéticos, porque usam as terras de qualidade, capazes de fornecer alimentos, para produzir combustíveis destinados aos veículos dos ricos. Na semana passada, Chávez dobrou a língua. Mas manteve seu objetivo de derrotar o álcool.

Não vamos brigar com o Brasil, não vamos jamais brigar com o Lula. É claro que nosso inimigo é o império norte-americano, declarou, ciente dos interesses da Petrobrás de injetar US$ 2,8 bilhões em novos projetos na Venezuela. Mas estamos trabalhando em uma proposta alternativa. Assim como derrotamos a Alca (Área de Livre Comércio das Américas) neste continente, agora vamos derrotar o alco (neologismo que inventou para a palavra álcool), completou, referindo-se à oferta futura de 170 milhões de metros cúbicos de gás pela Venezuela aos vizinhos. Essa idéia será apresentada na cúpula, em Isla Margarita.

CALMARIA MANTIDA

A mudança parcial no discurso de Chávez tranqüilizou o Palácio do Planalto, que temia o risco de embate entre Lula e Chávez no encontro e de contaminação dos projetos de integração energética. O venezuelano também mandou outros sinais de que a calmaria será mantida. Na semana passada, um de seus auxiliares e o embaixador venezuelano no Brasil, general Júlio José García Montoya, conversaram com o assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia.

Não estávamos preocupados com as declarações de Chávez. Temos projeto comum de cooperação na área petroleira e interesses no setor de gás, diz Garcia, que embarcou sexta-feira a Caracas para encontros prévios à cúpula. Nunca fizemos reparos à política externa do presidente Chávez. Ele nunca fez reparos à nossa, diz, referindo-se aos encontros recentes entre Lula e Bush.

Para o Itamaraty, a 1ª Cúpula Energética Sul-Americana terá importância política por si só, pois abrirá a todos os países da região a perspectiva de aproveitar a vantagem especial da América do Sul, a auto-suficiência em energia. Além disso, a iniciativa é um dos motores da integração sul-americana, objetivo estratégico da política exterior do governo Lula.

Há razões pragmáticas para o Palácio do Planalto apostar nessa alternativa. Os projetos de energia incluídos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) não serão suficientes para dar sustentação à expansão econômica do País, em médio e longo prazos, nem para a diminuição das desigualdades regionais. Esse cenário expõe a necessidade de conexão das fontes geradoras de energia elétrica da vizinhança ao sistema brasileiro, de maior segurança jurídica aos investimentos da Petrobrás na região e de acesso do Brasil às fontes de gás e de petróleo dos vizinhos.

A essas angústias soma-se o interesse do Brasil de criar uma rede mundial de fornecimento de biocombustível. O Palácio do Planalto já conseguiu as adesões de Evo Morales, da Bolívia, e de Rafael Correa, do Equador.