Mercado

Onde vai para o álcool?

Há muito tempo não se via o setor sucroalcooleiro emparedado como tem ocorrido nas últimas semanas. Em plena entressafra de cana, o preço do álcool disparou nos postos de combustíveis e trouxe à memória do brasileiro um gosto amargo. O consumidor reclamou, o governo interveio e o produtor se manteve na defensiva. Parecia o auge da crise do Pró-álcool, quando o combustível sumiu das bombas deixando milhões de brasileiros na mão. Assim como no passado, os usineiros se tornaram os vilões da história. E assim como no passado, eles não devem sair ilesos deste novo episódio. A crise do álcool acontece em um momento em que o combustível verde havia reconquistado a confiança dos motoristas. Os carros bicombustíveis – que rodam com álcool ou gasolina e à mistura dos dois em qualquer proporção – se provaram um mecanismo eficiente de regulação do mercado. Rapidamente, passou a imperar a lógica do que pesa menos no bolso do consumidor. Por isso mesmo, houve uma forte expansão dos carros flex. Em 2005, eles representaram 57,9% dos 1,353 milhão de carros vendidos no País. O problema é que a nova crise tem tirado o brilho dos bicombustíveis. Os especialistas apontam que o derivado de cana compensa até o patamar de 70% do preço do litro da gasolina, já que seu rendimento é menor. Na última semana, entretanto, essa equação chegou a 68,9%. E na maior parte dos estados, a gasolina voltou a ser mais vantajosa.

Até o governo entrou para intervir. Os ministérios da Agricultura e das Minas e Energia fecharam um acordo com os produtores para manter o teto do litro do álcool vendido às distribuidoras em R$ 1,05. O mesmo expediente foi utilizado em 2003, quando o teto foi fixado em R$ 1 o litro. Mesmo com o acerto entre o governo e os produtores, os preços na bomba não recuaram – e em alguns lugares misteriosamente até aumentaram. Isso porque o problema está além dos portões das usinas. Os estoques em poder dos distribuidores foram comprados com preço em alta e não há a menor chance de que esse combustível chegue mais barato ao tanque dos veículos. “As usinas estão antecipando a moagem de cana de abril para março na tentativa de melhorar a oferta do produto”, disse Giovana Araújo analista de mercado da Datagro.

O fato, porém, é que o setor sucroalcooleiro tem se transformado a passos largos. De acordo com o pesquisador Sérgio Torquato, do Instituto de Economia Agrícola (IEA), a concentração de grandes grupos de açúcar e álcool cresceu, o que resultou em um aumento do poder das usinas na composição do preço do álcool. Hoje , apenas três grupos detêm de 30% a 40% da produção de álcool, fazendo com que a participação das usinas na composição do preço álcool anidro passasse de 49% em 2003 para 53% em 2005. “Isso aponta com nitidez o exercício de poder oligopólico numa cadeia de produção onde alguns agentes absorvem margens dos outros”, explica Torquato. Para piorar, pressões externas devem complicar a situação do mercado do álcool. Os preços futuros do açúcar apontam uma forte alta. Na segunda-feira, 23, a bolsa de Nova York atingiu o maior patamar nos últimos 24 anos, com a cotação de US$ 18,75 a libra peso. Nos últimos 12 meses, as cotações acumulam alta de 83,1%. Isso pode estimular ainda mais os usineiros a extrair açúcar em vez de álcool da cana. “Isso pode ser um tiro no pé”, declarou o ministro Roberto Rodrigues. “O setor sucroalcooleiro amadureceu muito e tem clareza de que o equilíbrio entre o açúcar e o etanol irá garantir sua sobrevivência tanto no mercado interno como no externo”, disse o ministro. Será?