Mercado

OMC a um passo de sofrer um novo fracasso

O governo afirma que está disposto a fazer concessões na abertura de seu mercado para produtos industriais e serviços nas negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC), mas condiciona a flexibilidade a pelo menos dois aspectos: ganhos reais na agricultura e liberalização no setor industrial com respeito à situação dos países em desenvolvimento, sem perdas de empregos ou falências.

Na segunda-feira, os principais ministros da OMC fazem em Londres uma reunião decisiva. “Essa vai ser a hora da verdade”, afirmou um diplomata brasileiro. A menos de um mês da reunião ministerial da OMC em Hong Kong, os países ainda não chegaram a um consenso sobre como deve ocorrer a liberalização dos mercados agrícolas, impedindo avanços em todas as demais áreas da negociação. “Precisamos de decisões urgentes, caso contrário teremos problemas”, afirmou o embaixador do Brasil na OMC, Clodoaldo Hugueney. Ele não acredita que haverá mais tempo para que seja produzido um rascunho do acordo de Hong Kong antes da conferência.

A pressão está sobre os europeus, que até agora não apresentaram cortes significativos de barreiras aduaneiras para produtos agrícolas. Pelos cálculos do Brasil, a União Européia (UE) oferece cortes de apenas 39% em suas tarifas, contra uma proposta de 54% apresentada pelo Itamaraty. Mas Bruxelas ainda exige que Brasil, Índia e outros mercados emergentes promovam liberalizações nos setores de bens manufaturados e serviços. Segundo cálculos do governo, se uma abertura equivalente fosse feita no setor industrial ao que os europeus oferecem no setor agrícola, o corte de tarifas seria de apenas 30%. No caso do Brasil, isso não significaria nenhum novo acesso ao mercado nacional para produtos estrangeiros. “Toda a ambição da rodada de negociações estará afetada se a oferta agrícola for mantida como está”, afirmou Hugueney.

Isso porque o País tem tarifas consolidadas para produtos industriais de 35%, mas aplica em média apenas 11%. O corte de 30%, portanto, ocorreria a partir das tarifas consolidadas e, no caso brasileiro, nem chegaria à tarifa que hoje é aplicada. “Se isso for tudo o que os países podem oferecer, a Rodada Doha terá sido um engodo e diplomatas terão sido pagos por anos para negociar algo sem nenhum efeito”, afirmou um experiente negociador latino-americano. Os europeus querem cortes de 75% nas tarifas industriais dos países emergentes, o que é considerado inaceitável por Hugueney.

O Brasil ainda destaca que, pela proposta européia, todos os principais produtos da pauta de exportação agrícola do País estariam classificados como bens sensíveis e teriam direito a proteções extras. Pela proposta da UE, cerca de 300 produtos estariam nessa situação, entre eles o açúcar. Só o tratamento diferenciado de três linhas tarifárias no setor de carnes, por exemplo, impediria 95% da importação européia do setor. A proteção de 47 linhas tarifárias ainda conseguiria proteger 90% das importações da UE.

Brasil quer proposta agrícola melhorada

“Estamos preparados para nos mover nos temas de interesse dos países ricos, mas a mensagem que estamos recebendo dos europeus é de que, mesmo que se promova uma abertura de nosso mercado, eles não têm mais o que oferecer em agricultura”, alerta Hugueney.

Para o Brasil, se a proposta agrícola for melhorada e se a condição de países em desenvolvimento for respeitada, o governo pode aceitar cortes nas tarifas no setor industrial. Hugueney, porém, defende que sejam dadas flexibilidades para que os países consigam proteger certas indústrias nacionais. “Não estamos aqui para promover desemprego ou fechar empresas. Não podemos imaginar uma abertura que aniquile um setor”, afirmou o embaixador, que descarta aceitar propostas de eliminação de tarifas para alguns setores.

Sem boas perspectivas para Hong Kong, diplomatas começam a pensar como farão para salvar a rodada. Uma das opções seria adiar as decisões mais importantes para o primeiro semestre de 2006, mas ainda assim concluir a rodada até o final do próximo ano. Isso porque, se o prazo de 2006 não for atingido, o mundo poderá ter de esperar anos, já que o poder executivo nos Estados Unidos perderão sua autorização dada pelo congresso para negociar acordos comerciais.

Cinco “grandes” tentam salvar negociações

Patrick Baert

DA FRANCE PRESSE

Cinco grandes membros da OMC – Brasil, Estados Unidos, Índia, Japão e União Européia (UE) – se reúnem na próxima segunda-feira, em Londres, com a esperança de retomar as negociações sobre a liberalização do comércio mundial que estavam emperradas, a cinco semanas da importante conferência de Hong Kong.

O Comissário europeu Peter Mandelson, o representante americano para o Comércio, Rob Portman, e os ministros Celso Amorim (Brasil), Kamal Nath (Índia) e Toshihiro Nikai (Japão) se reunirão na embaixada da Índia, em uma sessão de trabalho seguida de um jantar.

“Se não conseguirmos nos entender na próxima semana, creio que será muito difícil chegar a um acordo”, advertiu Portman. “Lutamos contra o relógio. A situação é bem mais grave”, reconheceu o embaixador do Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC), Clodoaldo Hugueney

Os 148 países membros da OMC devem concluir em sua conferência ministerial de Hong Kong, em dezembro, dois terços da rodada de negociações iniciada em Doha, capital do Qatar, em 2001. O diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, pediu um mês para submeter aos governos um projeto de acordo. Portanto, este projeto deve estar pronto em meados de novembro.

Em Londres, a UE e o Japão, que impõem elevadas tarifas alfandegárias às suas importações agrícolas, estarão submetidos a uma intensa pressão por parte dos outros três interlocutores, que exigem uma forte diminuição dessas barreiras alfandegárias.

No final de outubro, Mandelson propôs uma redução dos direitos alfandegários de entre 35 e 60%, mas a oferta foi considerada insuficiente pelos grandes países exportadores agrícolas, entre eles o Brasil.

Ao mesmo tempo, Mandelson – pressionado dentro da própria UE, especialmente pela França- exigiu em troca a queda das tarifas alfandegárias aplicadas aos produtos industrializados, condição rejeitada por Índia e Brasil.

Um fracasso em Hong Kong pode significar um golpe mortal para a Rodada de Doha, que já deveria ter sido concluída no final de 2004, mas que não será concluída – na melhor das hipóteses – antes do final de 2006.

“Continuo acreditando que esta conferência (de Hong Kong) será um sucesso, mas devemos trabalhar muito para evitar uma repetição de Cancun ou de Seattle”, declarou Mandelson, referindo-se às duas conferências ministeriais da OMC anteriores que fracassaram devido a divergências entre Norte e Sul.

Pascal Lamy também participará da reunião de Londres para desempenhar o papel de mediador e representar os demais membros da OMC excluídos desta restrita reunião.

O chefe da OMC lembrou os países membros que um fracasso da Rodada de Doha levaria os Estados Unidos ou a UE a aumentar seus subsídios agrícolas, o que seria um sério castigo para os pequenos agricultores dos países pobres.

Como um eco a esta advertência, o Senado dos Estados Unidos decidiu na quinta-feira prolongar de 2007 para 2011 os subsídios aos agricultores do país, indo de encontro à posição da administração Bush, que havia oferecido à OMC uma redução de 70%.

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