O governo tem trabalhado para articular um novo empréstimo, de R$ 6,6 bilhões, para o setor elétrico. Os recursos serão utilizados para cobrir despesas excepcionais incorridas em 2014 e que serão pagas nos próximos anos por meio de encargo na tarifa. Esse valor se soma ao empréstimo de R$ 11,2 bilhões contraído em abril e aos R$ 9,9 bilhões adiantados pelo Tesouro Nacional em 2013.
O governo acerta ao buscar formas para amortecer essas despesas excepcionais ao longo dos próximos anos. Se não houvesse essa mobilização, haveria inadimplência generalizada no mercado de energia elétrica e comprometimento financeiro de toda a cadeia de fornecimento. E a alternativa de repasse imediato desses custos à tarifa também não é muito palatável, pois envolveria um aumento superior a 40%.
Mas como chegamos a essa situação tão crítica? A resposta é uma conjunção de vários fatores. O primeiro é a falta de chuvas: nos últimos dois verões, o volume de chuvas foi muito inferior à média histórica.
O segundo fator é o atraso da entrada em operação de novas usinas por diversas razões: empreendedores que não honraram seus compromissos (vide Usinas da Bertin), obras de transmissão que não ficaram prontas para escoar a energia de novas usinas e paralisações de obras por causa de liminares, invasões e vandalismo.
O terceiro fator é a contratação de energia insuficiente nos leilões promovidos pelo governo federal. Em 2012, em meio à atabalhoada implementação da Medida Provisória 579, o governo deixou de realizar o leilão anual para a contratação de energia para repor os contratos a vencer naquele ano e, sucessivamente, organizou leilões posteriores com preços-teto e prazos incompatíveis com a conjuntura vigente que não atraíram usinas ofertantes, prolongando as dificuldades das distribuidoras, que têm sido forçadas a adquirir a energia faltante no mercado de curto prazo a preços altos em razão da escassez de chuvas.
O quarto fator foi a introdução do novo regime de concessões de hidrelétricas estabelecido pela Medida Provisória 579, que transfere o risco hidrológico do gerador para o consumidor: em períodos secos, quando a usina gera menos energia, os consumidores – por meio de seu distribuidor – precisam adquirir a energia faltante no mercado de curto prazo.
O quinto fator é a composição inadequada do parque gerador, que tem uma parcela grande de usinas termoelétricas de alto custo operacional que são desejáveis apenas para operação de baixa frequência. Isso tem acirrado o problema, porque o sistema tem recorrido às termoelétricas com alta frequência e alta intensidade.
Os dois primeiros fatores (seca e atraso de usinas) não derivam diretamente da ação do governo, mas os três últimos (contratação insuficiente nos leilões, novos regimes de contratação e parque gerador inadequado) podem ser resolvidos com boas políticas públicas.
Para assegurar a contratação adequada de energia nos leilões de energia, o governo precisa estabelecer preços e prazos de contratação mais condizentes com as condições vigentes e realizar leilões com antecedência de dois a três anos para recontratar a energia de usinas já construídas.
Para lidar com a volatilidade dos novos regimes de contratação, o governo já criou a Conta-ACR, que em última instância é custeada por encargos cobrados dos consumidores regulados. Esse mecanismo permite que choques como os que estamos passando possam ter seus impactos mais bem distribuídos no tempo e entre os consumidores de todo o País.
Para melhorar a composição do parque gerador é preciso reformar os leilões para valorar os atributos relevantes para a operação do sistema: flexibilidade operacional, complementaridade sazonal e localização das usinas.
Os erros de 2012 e 2013 precisam ser reconhecidos e as duras lições de 2014 precisam ser aprendidas com humildade, para que os mesmos problemas não aconteçam nos próximos anos.
Fonte: O Estado de São Paulo