Luiz Custódio Cotta Martins é presidente dos Sindicatos que representam os produtores de açúcar e de álcool em Minas Gerais, o Siamig (álcool) e o Sindaçúcar. Sua intimidade com o setor vem do berço. Filho e neto de usineiros, foi criado nos quintais da Usina Jatiboca, uma das primeiras a se instalarem em Minas Gerais. Formado em engenharia, acabou dedicando-se à indústria da família. Assumiu a Secretaria Executiva do GEPLACEA, (Grupo de Países Latino-americanos e carin\benhos exportadores de Açúcar), entidade que representou 23 países produtores de açúcar, em meados dos anos 80, a convite dos empresários do setor e do governo brasileiro. Licenciou-se para assumir o comando dos Sindicatos, o que hoje lhe ocupa o tempo integral. Casado com Heloísa Martins, também empresária do setor de hotelaria, aos 57 anos ele é pai de três filhos saindo da adolescência: Patrícia, Letícia e Vitor. Nos fins de semana descansa na fazenda dos familiares , em Ponte Nova, mas ainda assim a paisagem é o verde dos canaviais e a sobremesa a goiabada feita pela família, com a fruta da terra e açucar da Jatiboca, é claro. JORNAL CANA fez a seguinte entrevista, exclusiva, com o empresário e líder sindical, Luiz Custódio.
JornalCana – Como o senhor analisa a transferência da Cepaal para Brasília?
Luiz Custódio Cotta Martins – Trata-se de um procedimento natural visto que a entidade congrega os principais sindicatos do setor sucroalcooleiro do País. A localização estratégica de Brasília, onde também se concentra o centro de poder, tanto o Executivo como Parlamentar, facilita os contatos e entendimentos nas esferas governamentais e parlamentares. Além do mais, a Cepaal, como formatada no momento, é o embrião para o surgimento da Federação Nacional do setor. A entidade terá cumprido seu papel quando estiver consolidada a criação da Federação, hoje um anseio de todo o setor produtivo e nada mais correto do que uma entidade nacional tenha sua sede em Brasília, a capital federal.
JC – E qual será sua participação para que a Federação seja implantada ?
LC – Como o objetivo maior é mesmo a constituição da Federação surgiu a necessidade de um coordenador junto aos demais presidentes de Sindicatos. Devido ao nosso longo convívio com as lideranças, que conhecem o nosso esforço na busca de uma unidade setorial, fomos designados para esta missão de “costurar” a integração, de levantar sugestões, de dialogar e buscar um consenso quanto aos propósitos do setor produtivo sucroalcooleiro nacional. O nosso perfil de mineiro e a tradição política do Estado também podem ter contribuído para isso, mas o importante é que haja um entendimento de todas as partes envolvidas e, sobretudo, uma conscientização do quanto a Federação será importante para que possamos alcançar nossos objetivos maiores, através de uma entidade que fale uma linguagem comum e seja a interlocutora do setor junto ao governo federal, ao Congresso e as demais entidades da cadeia produtiva.
JC – O senhor já fez parte do Geplacea (?), cuja intensão também era a de implantar uma Federação.
LC – A verdade é que naquela época, meados da década de 80, o setor ainda não estava amadurecido para essa integração. Havia um conflito de interesses entre a área institucional e a comercial. Além do mais, o governo tutelava o segmento e de certa forma tirava proveito da divisão entre os produtores para impor sua política. Agora que ingressamos de vez na economia de mercado, necessitamos de maior organização, pois continuamos como um setor estratégico para a economia. A Federação, como imaginamos, e essa é uma posição dos nossos pares, é de que tenha um perfil mais institucional e cada unidade produtiva procurar adequar-se às relações de mercado, para o qual a entidade deverá estar atenta, já que mecanismos reguladores sempre estarão em pauta.
JC – Então o senhor acredita que hoje é possível a tão almejada união do setor?
LC – Sem sombra de dúvidas. O momento é propício sob todos os aspectos. Precisamos falar uma linguagem unificada pois temos interesses e objetivos comuns . Não se trata de cartel ou coisa parecida. Longe disso. O que precisamos é de união, para mudar inclusive uma imagem negativa, construída no passado e para a qual também contribuíram alguns maus empresários. A indústria sucroalcooleira modernizou-se, está mais comprometida não apenas com a produção e o lucro, mas consciente do seu papel social, com a manutenção do emprego no campo e nas indústrias. Precisamos de uma voz que se posicione em nome do setor em questões fundamentais, seja na esfera de mercado ou no plano político. Só para se ter uma idéia, o País está para ingressar na ALCA e isso é do nosso interesse, pois há inclusive restrições a serem superadas envolvendo as exportações de açúcar e álcool. Quem melhor e mais autorizada a defender nossas posições com uma visão sistêmica do setor do que a Federação? A hora é agora!
JC- E como estão as negociações com São Paulo, com a UNICA e os sindicatos?
LC – A receptividade tem sido muito favorável. Como disse antes, o clima favorece e existe uma consciência de que “uma andorinha só não faz verão”, por mais poderosa que seja. São Paulo é o estado mais forte no setor, o principal produtor e a adesão em peso dos produtores, através da ÚNICA, ao programa estratégico para o setor é uma demonstração inequívoca desse posicionamento que conduz à integração e seguramente desaguará na formação da Federação. Nessas circunstâncias, seria natural e lógico que a presidência dessa nova entidade seja ocupada por um representante de São Paulo. Mas, no momento, estamos conversando com os Sindicatos que ainda não se integraram à CEPAAl e o diálogo tem sido muito construtivo até aqui em todas as esferas de etendimento.
JC – Como o senhor vê a atuação da Petrobras?
LC – Temos que passar uma borracha no passado. Devemos encarar a Petrobras dentro de uma nova ótica, como uma importante parceira no mercado de combustíveis. É preciso respeitar a experiência da empresa, a capacitação dos seus técnicos e o que representa para o Brasil. Assim que acabar o monopólio da Petrobras , no final do ano, as grandes distribuidoras vão trazer o combustível de suas matrizes , o que poderá afetar nosso mercado, mas a Petrobras vai continuar produzindo aqui, em reais.
JC – Quanto a geração de energia utilizando o bagaço de cana, qual o posicionamento do Siamig?
LC – A geração a partir do bagaço de cana tem muitas possibilidades e vai sair muito mais em conta para o País do que a geração a partir do gás, por exemplo. Quanto aos recursos do BNDES – R$ 250 milhões – são insuficientes diante da potencialidade, mas para iniciar o programa serão bem recebidos. Eu diria que para esse primeiro ano, quando várias usinas ainda estão avaliando as possibilidades, tudo bem, mas em termos de Brasil é pouco. Um plano mais arrojado, como se pretende, exigirá mais recursos. Para se ter uma idéia, os investimentos entre caldeiras, geradores e turbinas e o projeto em si podem consumir até R$ 15 milhões por unidade geradora. A iniciativa de financiamento, por si, é positiva por se tratar de um reconhecimento ã contribuição que o setor pode e deve oferecer neste momento como alternativa complementar à escassez de energia no País. Existe, por parte do governo, segundo percebemos em contatos com as autoridades de Brasília, de que o setor pode contribuir não apenas na área de energia, como também na geração de empregos. Quanto às garantias, o BNDES tem que partir para obtê-las através dos contratos de fornecimento. Não há o que temer nesse aspecto, pois existe a figura da “garantia dos recebíveis”, o que pode ser amarrado com as concessionárias e distribuidoras.
JC – Algumas montadoras estão lançando o carro a álcool, isto é um sinal de que poder haver um aquecimento no mercado deste tipo de veículo?
LC – Por enquanto a produção é incipiente e os carros são fabricados por encomenda, mas qualquer inciiativa nesta direção é positiva. Quanto ao carro a álcool tudo o que precisamos é de que seja revertida a imagem que ficou no passado – falta de abastecimento, oportunismo, etc – e as políticas de conveniência , especialmente na esfera governamental na época, que acabaram levando o programa ao estágio de penúria e de incertezas. Sempre acreditamos no carro a álcool e o momento volta a favorecer seu incremento. Outros países, como os Estados Unidos, estão de olho na experiência bem sucedida do Brasil. Só não entendem por que está quase parando. Mas um novo impulso acontecerá, com certeza. Para tanto, precisamos oferecer garantias de abastecimento ao consumidor, o que virá com a implantação do programa estratégico e a nova postura governamental de atuar no setor somente através do “off-shere”, ou seja, interferindo só quando necessário, para regular o mercado. A crise do petróleo continua latente e as novas tecnologia superaram antigas resistencias ao carro a álcool, para o qual vislumbramos um futuro ainda melhor, especialmente a médio e longo prazos, com o desenvolvimento da célula de combustível, a partir do etanol.
JC – Com o aumento da adição de 22% de álcool à gasolina, o país corre o risco de desabastecimento?
LC – O Brasil, um país continental como o nosso, dispõe da vantagem e da flexibilidade em termos de abastecimento de álcool, pois as safras do Centro Sul e do Nordeste acontecem em épocas diferentes. Com isso, somos capazes de produzir álcool o ano todo. O importante é que existam os mecanismos reguladores do mercado. A eventual importação de álcool não é um risco e, inclusive, pode ser parte do planejamento estratégico. A perspectiva, contudo, é de que a longo prazo venhamos a ser exportadores de álcool.
JC – Estão surgindo tecnologias que podem aumentar o consumo de álcool e a produção de veículos. Como o setor analisa?
LC – De certa forma, as colocações feitas anteriormente respondem a essa questão. Tudo isso, como já disse, passa pela organização do setor e o planejamento estratégico, quando se espera o equilíbrio do abastecimento. O setor terá que continuar a fazer investimentos para atender as necessidades tanto do mercado interno, como o mercado externo, cuja demanda será crescente. Torna-se fundamental que as lições negativas do passado em relação ao programa do álcool, tanto por parte do setor produtivo, como da esfera governamental, não sejam repetidas.
JC – Como resolver o problema de quando o açúcar tem preço melhor se produz açúcar e quando é o álcool se produz álcool?
LC – Não é interessante para o produtor e muito menos para o consumidor ficar à mercê das oscilações do mercado. Por isso, defendemos os mecanismos reguladores . O próprio governo já sinalizou que vai intervir quando necessário, através do off-shere. Os estoques estratégicos devem ser mantidos.
JC – Como o senhor analisa a entrada do GNV (Gás Natural Veicular) para o abastecimento de carros e que tem tido um apoio intensivo das distribuidoras, em detrimento do álcool?
LC – Trata-se de uma alternativa, a meu ver, circunstancial, de momento. O gás, como se sabe, é comprado em dólar e o preço segue os mesmos parâmetros e oscilações do petróleo. Já o álcool é renovável e produzido em real, gera empregos e beneficia a população brasileira.
JC – Que soluções o senhor propõe para o setor?
LC – Tudo o que já foi dito até aqui. O passo mais importante é a organização do setor, sua integração em nível nacional . A Federação é o caminho mais curto e lógico para que isso aconteça. Defendo também uma campanha institucional para mudar o conceito de um setor que se modernizou e tem uma importancia estratégica ainda mal avaliada, tanto do ponto de vista econômico como social.
JC – O senhor, pelo vistto, tem muia confiança setor. Como o vê o futuro…
LC – Com confiança e otimismo, mas também com cautela e a perspectiva de muito trabalho pela frente. Estamos em uma economia globalizada e muitas questões nem sempre dependem das políticas econômicas de cada País, como temos assistido, mas bons ventos sopram para o setor sucroalcooleiro, tanto no mercado interno como no exterior. Por outro lado, o setor vem se modernizando, como disse, e hoje trabalha em um planejamento estratégico. Um setor organizado tende a otimizar as oportunidades e é nisso que acreditamos. Não estou falando de teoria. O trabalho “Cenários para o setor de Açúcar e Álcool ” contratado pela ÚNICA, com apoio do Ministério do Desenvolvimento, em parceria com a MB Associados e a Fundação Instituto de Pesquisa Econômica, foi submetido aos Sindicatos e parece traduzir os anseios e expectativas da maioria absoluta do setor sucroalcooleiro. Sua implantação, nos termos propostos, ou com mudanças de percurso, caso necessárias, representa um avanço e mostra o nível de amadurencimento do setor. Sua aplicação será fundamental, sobretudo, como mecanismo para estabelecer o equilíbrio do mercado e ordenar as relações com o governo.
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