Na rodovia que dá acesso ao complexo industrial de Suape, na cidade de Ipojuca, no litoral sul de Pernambuco, o trânsito beira o caos. Uma procissão de caminhões atravanca a estrada de pista simples que, espremida pela obra de duplicação do trecho, complica ainda mais o tráfego. Os turistas que passam por ali a caminho do balneário de Porto de Galinhas naturalmente se irritam. Mas os pernambucanos só têm motivos para comemorar — o aumento do congestionamento é sinal da transformação em curso em Suape. A difícil tarefa de chegar e sair do complexo pode ser vista como uma espécie de termômetro da efervescência dos negócios por lá. Novos e volumosos empreendimentos fazem de Suape hoje o maior pólo de investimento do país. Até 2010, os 23 projetos em curso absorverão 6,2 bilhões de dólares. Quatro deles estão mudando a paisagem do lugar: a refinaria da Petrobras, o complexo petroquímico, o estaleiro Atlântico Sul e o moinho da Bunge. São projetos que, inevitavelmente, atrairão novas empresas — sejam elas fornecedores ou clientes. E isso pode ser apenas parte do que Suape será no futuro. Estão em negociação outros 7,5 bilhões de dólares em investimentos, o que inclui uma siderúrgica e uma fábrica de celulose. Se esses projetos também se concretizarem, cálculos do governo indicam que o PIB pernambucano, de 63 bilhões de reais no ano passado — o décimo do país –, deve alcançar 147 bilhões em 2020, o equivalente ao tamanho da economia de Minas Gerais atualmente. “Metade desse crescimento virá dos investimentos em Suape”, disse o governador Eduardo Campos a EXAME.
Às vésperas de completar 30 anos, o porto de Suape vive uma fase ímpar em sua história. De 2007 a 2010, está sendo investido ali o triplo do volume de recursos aplicado em três décadas. Criado em 1978 para substituir o porto de Recife, até há pouco tempo Suape era visto como um empreendimento com grande potencial, mas que caminhava timidamente, o que refletia em boa medida a marcha lenta da economia de Pernambuco nas décadas de 80 e 90. “Nesse período, nosso crescimento foi medíocre, acompanhando a média brasileira, mas abaixo de outros estados nordestinos”, diz o economista Sérgio Buarque, da consultoria pernambucana Multivisão. Embora se mantivesse como a segunda maior economia do Nordeste, atrás apenas da Bahia, Pernambuco foi perdendo importância relativa à medida que estados como Ceará e Rio Grande do Norte avançavam.
O fenômeno agora verificado em Suape é resultado do bom momento da economia brasileira, das qualidades de um porto moderno e de um padrinho de peso. A decisão de instalar a refinaria da Petrobras teve um importante componente político. “O alinhamento do governador Eduardo Campos com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva trouxe a refinaria para Suape”, diz Fernando Bezerra Coelho, secretário estadual de Desenvolvimento Econômico e presidente de Suape. Ceará e Bahia também eram candidatos a receber o investimento, a primeira refinaria projetada pela Petrobras após um jejum de 25 anos. Mas o estado natal do presidente Lula acabou levando a melhor. Junto com a refinaria, outros investimentos foram concebidos para criar um complexo petroquímico. Em março, a americana Oxbow anunciou uma fábrica de 150 milhões de dólares para processar coque de petróleo, resíduo que será gerado pela refinaria. Pernambuco foi aquinhoado com 2 bilhões de reais em obras públicas do Programa de Aceleração do Crescimento, incluindo ampliação do cais e melhoria das estradas de acesso a Suape.
O apoio do governo Lula tem ajudado — e muito –, mas o ciclo de crescimento não aconteceria se Suape não fosse uma exceção entre os portos brasileiros. Em primeiro lugar, está num ponto bem localizado: é um dos terminais brasileiros mais próximos da Europa. A profundidade do cais é de 15,5 metros (3,5 metros a mais que a de Santos) e será ampliada para 18, o que permitirá a chegada de grandes cargueiros internacionais que hoje têm acesso limitado ao país. Outro destaque é a qualidade de administração portuária, superior à média brasileira dos terminais públicos. “A gestão do porto é muito ativa. Os executivos de Suape fazem road shows nas empresas, no Brasil e no exterior, e trabalham para melhorar as condições dos usuários, ao contrário de Santos, que expulsa clientes”, diz Paulo Fleury, diretor do Centro de Estudos em Logística da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Uma pesquisa da instituição com usuários de portos apontou Suape como o terceiro melhor do país, atrás apenas dos terminais privados de Ponta da Madeira, no Maranhão, e de Tubarão, no Espírito Santo. Para aproveitar melhor essas qualidades, o governo de Pernambuco pretende transformar Suape em um hub, um concentrador e redistribuidor de cargas internacionais, a exemplo de Roterdã, na Holanda. De lá sairiam navios de cabotagem para outros portos brasileiros. Hoje, boa parte da carga desembarcada em Suape segue para o mercado nordestino. Em 2007, o porto movimentou 7 milhões de toneladas entre importação e exportação, volume inferior a um décimo do que passou por Santos. A principal mercadoria que chega ao porto são combustíveis. No caminho inverso, saem principalmente açúcar, frutas e resinas plásticas. O plano de ampliação prevê aumentar o número de cais do porto de quatro para 34 até 2020.
Canteiro de obras Grandes investimentos estão acelerando o desenvolvimento do pólo industrial e logístico de Suape Localização
Ipojuca, Pernambuco Porto
Conta com quatro cais, mas o plano de expansão prevê a construção de outros 34 até 2020. O objetivo é tornar o porto um concentrador de cargas internacionais Ranking
Suape é o terceiro melhor porto do país (sendo o primeiro público), de acordo com uma pesquisa feita com usuários(1) Infra-estrutura
Estão sendo investidos 1 bilhão de reais em estradas para melhorar o acesso ao porto Indústria
23 empreendimentos estão sendo implantados e somam 6,2 bilhões de dólares. O porto negocia mais 7,5 bilhões de dólares em investimentos Empregos
Apenas na construção dos empreendimentos serão gerados 45 000 postos de trabalho. Para a operação dessas unidades, serão criados 11 000 empregos diretos (1) Pesquisa conduzida pela Coppead/UFRJ
Fontes: porto de Suape e empresas
A GRANDE EFERVESCENCIA DE SUAPE, no entanto, não está à beira-mar. O epicentro da expansão agora é a refinaria Abreu e Lima, empreendimento da Petrobras no qual a venezuelana PDVSA deve ficar com 40% do capital. Tudo o que se refere à refinaria é superlativo. Com investimento de 4 bilhões de dólares, a unidade deverá processar 200 000 barris de petróleo por dia em 2011. A licença ambiental da obra saiu em apenas cinco meses — um assombro para os padrões brasileiros. “Estamos aqui para descomplicar”, afirma o governador Eduardo Campos, numa demonstração de que, quando há interesse político, as coisas podem andar rápido. Hoje, 2 400 pessoas trabalham na terraplanagem dos 630 hectares da refinaria — a maior movimentação de terra do Brasil, com 650 máquinas em operação. A expectativa é que no pico da obra haja 16 000 trabalhadores na construção. O objetivo é que boa parte da mão-de-obra venha do próprio estado. O operador de retroescavadeira Valdemilson Leodoro de Oliveira, de 35 anos, é de Cumaru, cidade pernambucana situada a 120 quilômetros do porto. Antes da obra da Petrobras, ele trabalhava na Compesa, empresa de saneamento do estado. “Recebi uma oferta melhor e vim para cá”, diz Oliveira, que sustenta, com um salário de 1 500 reais, a mulher e os três filhos, que ficaram na cidade natal. A cada 15 dias ele deixa o alojamento onde mora para visitar a família. No passado, trabalhadores como Oliveira migravam para o Sul e o Sudeste. Atualmente, estão encontrando oportunidades na própria região.
Mas, para as empresas, o grande número de empregos gerados em Suape se transformou em desafio. A baixa qualificação profissional é o maior gargalo. Até agora, 12 000 pessoas da região fizeram cursos, promovidos pelo governo do estado, de reforço em português e matemática, espécie de remendo educacional para brigar por vagas nas indústrias. O estaleiro Atlântico Sul, uma sociedade das construtoras Camargo Corrêa e Queiroz Galvão e do fundo de investimento PJMR, recebeu 342 operários que fizeram o reforço e hoje estão em treinamento na empresa. Eles já foram contratados e vão trabalhar como soldadores e montadores dos navios. Flávia Lima, de 23 anos, moradora de Ipojuca, treina para ser soldadora. Será a primeira vez que ela trabalhará na indústria. Antes, era funcionária da prefeitura local. “Na minha rua, o que mais tem hoje é soldador em treinamento”, diz Flávia. À noite, ela cursa o primeiro ano de recursos humanos em uma faculdade de Recife. No ano passado, ao mesmo tempo que prestava vestibular, Flávia fazia o reforço escolar para brigar por uma vaga no estaleiro. Isso mostra que o diploma do ensino médio não tem significado grande coisa para o mercado de trabalho. Boa parte dos novos operários não sabia nem o que era um estaleiro. “O nível era muito baixo. Sem o reforço ficaria muito difícil treinar esse pessoal”, diz Paulo Haddad, presidente do Atlântico Sul. A estréia para valer de Flávia no chão de fábrica está marcada para julho, quando as primeiras chapas de aço começarão a ser cortadas no estaleiro. A obra do Atlântico Sul, que será finalizada no primeiro semestre de 2009, sofreu mudanças no meio do caminho, mais que duplicando a capacidade de produção prevista originalmente. O movimento pode aumentar ainda mais porque a Petrobras está prestes a licitar a construção de mais 146 embarcações.
Efeito multiplicador Com os investimentos em Suape, a previsão é que o PIB de Pernambuco mais que duplique até 2020 (em bilhões de reais) 2007 63 2008 66 2009 69 2010 72 2015 100 2020 147 Fonte: consultoria Multivisão
O RITMO ALUCINANTE DAS OBRAS TEM SERVIDO de chamariz para buscar novos investimentos. O principal alvo do governador Eduardo Campos no momento é trazer o projeto da nova fábrica de celulose do grupo Suzano para a área do porto. David Feffer, sócio do grupo, e Antonio Maciel Neto, presidente da empresa, já estiveram com Campos para tratar das vantagens fiscais que o investimento de 2 bilhões de dólares teria no estado. “O anúncio da Suzano está por pouco”, diz Campos. Na lista de ambições dos pernambucanos, há também terminais de grãos, de açúcar e de minérios, uma siderúrgica e uma montadora de automóveis, entre outros investimentos. No começo de 2008, a GM assinou um protocolo de intenções com o governo para instalar em Suape um centro de distribuição de carros. Seria um possível primeiro passo para instalar uma linha de montagem no pólo.
A dúvida para quem já está em Suape e para quem ainda não chegou é se haverá energia e água suficientes para todos os projetos. Na área do porto, existe uma termelétrica com capacidade para 523 megawatts. Há um projeto de uma nova térmica, a ser construída por um consórcio liderado pela BR Distribuidora (de novo, a Petrobras) até 2012, e o governo ainda estaria negociando mais três centrais de energia elétrica para a região. O problema é que, no atual ritmo de crescimento, essa oferta pode se esgotar rapidamente. “A velocidade das obras privadas é muito maior que a das obras públicas de infra-estrutura”, diz o paulista Dárcio Silva, diretor da empresa italiana Mossi & Ghisolfi, que em 2007 inaugurou uma unidade de resina PET em Suape.
A cidade de Ipojuca vem colhendo os lucros e os problemas dos novos investimentos. A estimativa é que 30 000 pessoas sejam atraídas para trabalhar nas obras do pólo, e uma parte delas deve permanecer em Ipojuca, atualmente com 60 000 habitantes. A cidade vive uma espécie de preparação para a onda migratória. A procura por pontos comerciais é intensa e os preços de terrenos dispararam. O Wal-Mart busca uma área para instalar uma unidade do Bompreço, sua bandeira de supermercados no Nordeste. Os empresários locais também se animam com a perspectiva de ter novos consumidores. Edinício Aníbal Ribeiro já contratou uma arquiteta para a reforma do Magazine Real, sua loja de vestuário e eletrodomésticos localizada no centro de Ipojuca. “Daqui a alguns anos, a cidade vai crescer 10% ao ano, como a China”, diz Ribeiro, também dono de uma loja de material de construção. Com o ritmo chinês que se impõe na região, a tendência é que falte todo tipo de serviço, a começar por moradias. Isso é visto como oportunidade para empresas como a incorporadora paulista Gafisa, que deve lançar até junho um empreendimento com 400 apartamentos na praia do Paraíso, vizinha ao porto de Suape, em Cabo de Santo Agostinho. Além dos interessados em ter um imóvel na praia, a empresa identificou a demanda de moradias para profissionais alocados nas novas fábricas do complexo. O projeto marca a estréia da Gafisa em Pernambuco.
Os maiores projetos Quatro grandes empreendimentos estão em execução hoje em Suape 1 – Refinaria
A obra de 4 bilhões de dólares é uma parceria da Petrobras com a venezuelana PDVSA. Maior investimento no local, será inaugurada em 2011 e terá capacidade para processar 200 000 barris de petróleo por dia 2 – Pólo petroquímico
Com três fábricas, o pólo soma 1,4 bilhão de dólares em investimentos. Já foi inaugurada uma fábrica de resina PET e está em construção uma unidade de matéria-prima. O próximo passo será uma fiação de poliéster, o que dará origem a um pólo têxtil 3 – Moinho
A Bunge está construindo o maior moinho de trigo da América Latina, que terá capacidade de produção de 850 000 toneladas de farinha por ano.A empresa também tem interesse em operar um terminal
de grãos no porto 4 – Estaleiro
Empreendimento de Camargo Corrêa, Queiroz Galvão e PJMR, será o maior estaleiro do hemisfério sul, com capacidade para processar 160 000 toneladas de aço por ano. Já tem encomendas de 12 navios
petroleiros e do casco da plataforma P-55 da Petrobras Fontes: porto de Suape e empresas
O movimento se justifica pelo peso que o Nordeste vem ganhando na economia brasileira. A região representa 13% do PIB do país e, nos últimos anos, após uma longa letargia, começou a crescer acima da média nacional. Em 2005 e 2006, as famílias nordestinas acumularam aumento de renda de 12% — o maior avanço por região do Brasil. Para atender esse mercado em expansão, a Bunge está instalando em Suape o maior moinho de trigo da América Latina, com capacidade para produzir cerca de 850 000 toneladas de farinha por ano.
Se de um lado o crescimento acelerado do pólo gera oportunidades, de outro desperta preocupações. O BNDES criou um grupo de trabalho para avaliar os efeitos positivos e negativos dos investimentos em Suape. Quer evitar uma repetição do que ocorreu nos pólos de Camaçari, na Bahia, e Macaé, no Rio de Janeiro, onde a chegada maciça de trabalhadores para a construção dos empreendimentos gerou favelas, desordenamento urbano e degradação ambiental ao final das obras. Caso a experiência em Pernambuco dê certo, deve ser replicada no entorno das obras das usinas hidrelétricas do rio Madeira, em Roraima. O objetivo é que o movimento econômico em Suape tenha reflexo na renda e na qualidade de vida da população do estado. Pernambuco, hoje, registra indicadores sociais que estão entre os piores do país. Recife, com 19% da população desempregada, é considerada a capital mais violenta do Brasil, de acordo com uma pesquisa do Ministério da Justiça. E Cabo de Santo Agostinho (onde parte do complexo de Suape está instalada) está entre as 30 cidades mais violentas do país. Parece claro o poder transformador, na economia do estado, do maior investimento em curso no país — o que se espera é que ele seja capaz de mudar também o cenário social de Pernambuco.