Mercado

O maior desafio está no campo social

O agronegócio sucroalcooleiro prosperou no Brasil à custa de suor e esforço dos trabalhadores rurais. Hoje, o cultivo da cana-de-açúcar é responsável por 1 milhão de empregos diretos e perto de 4 milhões de indiretos. É uma das culturas que ainda emprega mais mão-de-obra, embora seja inegável o avanço da mecanização. No esforço de construir uma imagem positiva, as empresas do setor estão atentas à importância de se cuidar bem das comunidades para contar pontos com os investidores e os mercados internacionais.

Há quatro anos a União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Unica) criou um departamento para estruturar e coordenar as ações de responsabilidade social de suas 97 unidades associadas. De lá pra cá, tem crescido o envolvimento das empresas em projetos sociais voltados à comunidade e também aos funcionários das empresas. A idéia é mostrar que, além de um robusto gerador de empregos no campo, o setor sucroalcooleiro se preocupa com o futuro dos trabalhadores. Atualmente as empresas do setor mantém em torno de 400 projetos, que envolvem educação, cultura, esporte, meio ambiente e qualidade de vida, explica Iza Barbosa, coordenadora de Responsabilidade Social da Unica. Ela ajuda as empresas a promover os programas sociais, e destaca que há muitas ações sendo feitas na área de educação, de cursos profissionalizantes a bolsas de estudos.

Segundo Iza, o notável crescimento do setor o torna suscetível a críticas, daí a necessidade de investir nas comunidades. É um dos setores mais bombardeados. Quanto mais brilha, mais é atacado, diz.

Mas as críticas têm ajudado a mudar a maneira como os empresários do setor sucroalcooleiro vêem a responsabilidade social. Antes, eram só doações e patrocínios pontuais. Agora, eles se envolvem pessoalmente nos programas. Ela afirma que as empresas estão também revendo as suas políticas de benefícios voltadas ao público interno.

MORTES

No entanto, há trabalhadores morrendo nos canaviais do interior do Estado. Já são onze mortes desde o ano passado, a última delas no dia 21 de outubro, quando faleceu o mineiro José Mário Alves Gomes, de 47 anos, que morreu depois de cortar 25 toneladas de cana. O caso não foi comunicado aos órgãos governamentais como determina a lei. Houve abertura de inquérito policial. O caso está sendo investigado pela 7º Distrito Policial de Piracicaba. As mortes, a maioria por parada cardiorrespiratória, mostraram a face sombria do modelo de produção que sustenta o setor sucroalcooleiro.

Pagos por produtividade, os cortadores de cana se submetem a uma extensa rotina de trabalho para ganhar mais do que o piso salarial, que fica em torno de R$ 300 a R$400, para uma média de 6 toneladas cana cortadas por dia. Para ganhar mais, os trabalhadores cortam de 10 a 12 toneladas cana/dia.

As mortes chamaram a atenção do Ministério Público do Trabalho, que desde o início de outubro faz diligências nos canaviais para apurar como andam as condições de trabalho. Temos constatado más condições de trabalho. E onde há terceirização da mão-de-obra, a situação se torna ainda mais precária, afirma Aparício Querino Salomão, procurador do trabalho da 15ª Região. Segundo Salomão, é nítida a falta de cuidados em quesitos como saúde e segurança. Faltam abrigos e banheiros nas frentes de trabalho, não há fornecimento de água potável e fresca e eles trabalham sem pausas, diz.

Embora o registro em carteira seja uma realidade no setor sucroalcooleiro – de acordo com a Unica, 95% dos trabalhadores são registrados – a prática de terceirização da mão-deobra é comum entre empresas que fornecem matéria-prima para as usinas. De acordo com Salomão, um dos objetivos do Ministério Público será investigar como é feito o aliciamento dos trabalhadores.

A Unica opta por uma posição de cautela frente à questão.

A entidade orienta as empresas a seguir as leis trabalhistas e evitar a terceirização, embora saiba que na prática nem sempre é assim. Ainda não há comprovação de que as mortes foram por excesso de trabalho. Vamos aguardar as investigações, diz Antonio de Pádua Rodrigues, diretor técnico da Unica. Segundo ele, a remuneração pelo corte da cana sempre foi baseada na produtividade, um sistema aceito por ambas as partes.