A crescente demanda pelo uso de energias renováveis como alternativa de desenvolvimento sustentável transformou o etanol na vedete do momento. Combustível de fonte verde, com tecnologia já difundida e custos baixos, o álcool desponta na frente das demais fontes, principalmente por já ser utilizado em larga escala, como alimentador de automotores no Brasil e nos EUA.
O Brasil pega carona na onda verde iniciada pela discussão e aprovação do Protocolo de Kyoto e nosso setor sucroalcooleiro cresce a passos largos para fazer frente à demanda que está por vir. China, Japão, Índia, União Européia e os EUA lideram o potencial de um futuro mercado que figura gigante até nas previsões mais modestas. Recentes declarações do presidente norte-americano George W. Bush dão conta de que nos próximos dez anos a América do Norte alcançará a casa das centenas de bilhões de litros de etanol, seja como aditivo à gasolina, seja para o consumo de carros bicombustíveis.
Até aí, nenhuma novidade. A pergunta que surge é: quem vai atender a esse mercado?
O Brasil sozinho não terá condições de fazê-lo. Não é por outra razão que o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues foi um dos precursores da idéia de “comoditização” do álcool, incentivando que os países que possuem área agrícola e clima para produzir matéria-prima para a indústria alcooleira, criem cadeias produtivas de etanol para consumo interno e exportação.
Sabemos que no futuro os veículos automotores não mais se utilizarão de energia de combustão, pela sua baixa eficiência de transformação. O advento da energia elétrica, com a utilização de células de hidrogênio, é inevitável. Mas até a popularização dessa tecnologia, o álcool sem dúvida terá um papel fundamental na diminuição da dependência do petróleo.
Mais uma razão para acreditar que o Brasil não abastecerá o mundo de álcool. Queremos e devemos, naturalmente, liderar esse mercado, tecnológica e comercialmente. Os esforços do setor produtivo e dos governos constituídos levam a crer que estamos no caminho certo.
Porém, nesse cenário pode aparecer uma armadilha num futuro próximo: a demanda superar de longe a oferta, pois a implementação de projetos de plantas industriais no Brasil e continentes afora, pode não acompanhar a necessidade de utilização do combustível.
Esse é o fator que leva o Japão, por exemplo, a ser muito cauteloso em suas metas de consumo interno de etanol, pois o país não quer correr o risco de implementar tal política e ficar sem o produto.
Devagar com o andor, já dizia o ditado. O Brasil está entrando em brigas que podem ser um tiro no pé do setor. O clamo pelo fim da barreira norte-americana imposta ao etanol brasileiro, por exemplo, é descabido neste momento. O mérito do pleito é indiscutível, pois os empresários brasileiros mergulharam na desregulamentação do setor e hoje há leis que regulam o mercado, mas não há subsídio ou qualquer outro tipo de protecionismo. Mesmo assim, a queda da barreira dos EUA poderia ser trágica para o nosso mercado interno de álcool, pois levaria a uma exportação maciça e a um enxugamento da oferta por aqui, o que no curto prazo poderia elevar os preços internos a patamares indesejáveis e no longo prazo poderia comprometer a sustentação dos contratos de exportação que fossem firmados.
O consumo brasileiro de álcool tende a crescer em proporções não muito menores, principalmente o do álcool hidratado, colocado nos carros flex fuels, que já atingem mais de 80% dos veículos fabricados no país.
Um dia a barreira há de cair, pois os próprios americanos precisarão do álcool brasileiro, já que a matéria-prima mais utilizada para a fabricação do etanol deles, o milho, possui limitações geográficas e comerciais de expansão. Mas que caia quando o mercado internacional tiver suporte, senão corremos o risco de os problemas de oferta que enfrentamos no passado aqui no Brasil, repetirem-se agora globalmente, fazendo da história do álcool uma novela brasileira a ser vista pelo mundo todo, mas com seus capítulos contados.