Mercado

O ICMS e a agroindústria canavieira

Em face de recente ato do Supremo Tribunal Federal decidindo, por meio de medida liminar, embora ainda não de forma definitiva, através de julgamento de mérito, da inconstitucionalidade da lei nº 6.004, que regula a relação tributária do Estado de Alagoas com o setor sucroalcooleiro, volta à pauta o polêmico assunto: as usinas pagam ou não ICMS em valor compatível com o porte da atividade?

Os números são bastante diferentes do que normalmente se imagina: na safra 2000/2001, o esmagamento de 25.197.000 toneladas de cana carreou para os cofres públicos, diretamente, por conta da comercialização do açúcar e do álcool, R$ 67.042.000,00! Aos milhões acima enumerados, estimam os órgãos técnicos de nosso Sindicato, cabe acrescentar R$ 38.098.000,00, oriundos de empresas que forneceram insumos à produção como seja eletricidade, combustíveis, produtos químicos, etc.

Sei que estes números impressionarão a um público acostumado a ouvir falar em contribuições de ICMS da ordem de dezenas de milhares de reais para todo o setor. Cabe-me, portanto, dissecar o valor acima referenciado, o que tentarei fazer fugindo ao máximo da linguagem técnica e, em respeito a quem não tem obrigação de conhecer as minúcias da legislação tributária, simplificando o raciocínio.

As receitas de ICMS decorrentes diretamente da comercialização dos produtos se decompõem em três grandes parcelas: R$ 71.871.000,00 foram originados pela venda de 398.691.000 litros de álcool anidro e de 313.943.000 litros de álcool hidratado e tiveram o ICMS devido pago por meio do mecanismo de substituição tributária, conforme determinam os decretos 37.264 de 23.09.97 e 38.257 de 21.12.99. Vamos agora esclarecer o que é a substituição tributária, sistema utilizado para pagamento do ICMS decorrente não somente da comercialização do álcool como também de automóveis, cimento, herbicidas, gasolina, óleo diesel e vários outros produtos. Com a substituição tributária, o Governo transfere a responsabilidade do pagamento do ICMS para outro agente da cadeia de comercialização; no caso do álcool , as distribuidoras de combustíveis, como seja, Petrobrás Distribuidora, Shell, Texaco etc., pagam às usinas e destilarias um preço pelo álcool com o valor do ICMS já descontado, e assumem a responsabilidade de repassar o montante abatido para os cofres públicos. É evidente que se não houvesse a venda do álcool, a distribuidora não pagaria à Receita Estadual. A segunda grande parcela tributária, no valor de R$ 27.199.000,00 (vinte e sete milhões, cento e noventa e nove mil reais), decorreu da exportação de 1.277.000 (um milhão, duzentos e setenta e sete mil) toneladas de açúcar cujo ICMS foi pago mediante repasse do Tesouro Nacional em obediência à Lei Complementar nº 87 de 13-09-96, mais conhecida como Lei Kandir. A referida lei isenta os exportadores brasileiros do pagamento de ICMS mas transfere para o Tesouro Nacional a responsabilidade do recolhimento dos tributos correspondentes aos Estados de onde se originaram as exportações. Tal medida representa parcela importante do esforço governamental para incrementar as exportações brasileiras com vistas a reduzir o enorme rombo das contas externas nacionais.

As duas parcelas acima referidas, totalizando, repito, R$ 99.070.000,00 (noventa e nove milhões e setenta mil reais), entraram nos cofres estaduais por intermédio de outros agentes econômicos que não as usinas (distribuidoras de combustíveis e Secretaria do Tesouro Nacional) mas decorreram única e exclusivamente da atividade sucroalcooleira. Não existisse cana, nada haveria dos tributos relacionados. Atualmente, cabe às usinas recolherem diretamente ao Estado de Alagoas apenas o ICMS incidente sobre o açúcar cristal comercializado no mercado interno, o que representa R$ 56.389.000,00. Quanto aos créditos presumidos que eram concedidos pela lei 6004, tinham o seu montante de R$ 50.319.000,00 dividido quase que em parcelas iguais: R$ 25.211.000,00 para as usinas e R$ 25.108.000,00 para os fornecedores de cana.

Assim, o balanço tributário do setor na safra 2000/2001 ficou determinado pelos seguintes números: Receita total de ICMS no montante de R$ 155.459.000,00 decompostos em três parcelas: R$ 56.389.000,00 derivados da venda de açúcar no mercado interno e a serem recolhidos pelas usinas; R$ 71.781.000,00 decorrentes da comercialização de álcool a serem recolhidos pelas distribuidoras de combustíveis, e R$ 27.199.000,00 decorrentes da exportação de açúcar a serem recolhidos pela Secretaria do Tesouro Nacional.

Em contrapartida, ocorreram créditos tributários em benefício do sistema produtivo no montante de R$ 88.417.000,00, sendo R$ 50.319.000,00 de créditos presumidos, que correspondem, em decorrência da lei 6004/98, a incentivos concedidos por Alagoas; e como parcela adicional, segundo estimativa de nossos técnicos, por força da mecânica do ICMS, em que cada transação tem imposto a pagar, foram gerados R$ 38.098.000,00 pela atividade em decorrência da compra de insumos como combustíveis, eletricidade, produtos químicos, peças de reposição para a indústria, sistema de transporte, máquinas agrícolas, etc. Esta última parcela, que costumamos chamar de crédito de insumos, deve ser recolhida aos cofres públicos pelas empresas que forneceram os materiais para as usinas. Se considerarmos ainda, que a cada ano, o setor paga como salário algumas centenas de milhões de reais e que, ao consumirem, nossos trabalhadores geram ICMS, a fatia do tributo gerado pela cana aumenta bastante. O balanço final será então: Receita total de ICMS : R$ 155.459.000,00 dos quais cabe abater R$ 88.417.000,00 de créditos, presumido e de insumos (créditos das usinas e portanto débitos do Estado); a arrecadação líquida obtida das usinas (total de receitas do Estado menos total de débitos), será então de R$ 67.042.000,00, aos quais cabe acrescentar R$ 38.098.000,00 de créditos de insumos recolhidos pelas empresas fornecedoras de materiais, o que corresponde a um total de R$ 105.140.000,00 que, gerados pela agroindústria, constituíram receita tributária de ICMS.

Vale a pena acrescentar que as exportações de açúcar representaram cerca de noventa por cento do valor exportado pelo Porto de Maceió que, sem açúcar, se transformaria num pequeno ancoradouro, ao menos em termos econômicos.

Assim, sob a vigência da lei 6.004/98, o setor sucroalcooleiro não faltou a Alagoas sob o aspecto tributário. Na verdade, numa época em que os incentivos fiscais fazem parte fundamental da política econômica de cada governo, o Estado de Pernambuco, por intermédio dos decretos 21.755 de 08.10.99, e 21.983 de 30.12.99, concedeu à sua combalida agroindústria incentivos fiscais que são 32,92% maiores do que os que auferimos pela lei nº 6.004/98.

Já o Estado de S. Paulo, o mais competitivo produtor de açúcar do mundo, taxa em apenas 7% o açúcar consumido em seu gigantesco mercado interno, onde, inclusive, cabe ressaltar a imensa parcela absorvida pelas indústrias. Já os outros estados do Brasil cobram 17% pelo açúcar consumido dentro de suas fronteiras. Admiro o Governador Ronaldo Lessa pela tenacidade com que defende os interesses de Alagoas, honrando certamente o mandato que o nosso povo lhe confiou. Dotado de ampla visão econômico-social, tenho a certeza de que S. Exa. saberá se debruçar sobre os números, e, dentro da lógica de engenheiro, considerar que a agroindústria alagoana já enfrenta duríssimo fardo na luta para continuar competitiva com os canaviais do Centro-Sul, que estão se expandindo a uma velocidade vertiginosa. Assim, confio que saberá encontrar o caminho para, sem concessões absurdas, mas com a plena consciência da guerra fiscal que hoje travam os estados, não permitir o sucateamento de uma atividade que, por mais de quatro séculos, constitui a base de nossa economia.

José Carlos Maranhão – diretor comercial do

Grupo Santo Antônio de Alagoas