Desta vez o alerta foi suficientemente forte para que todos prestassem atenção: parte considerável do açúcar produzido neste ano está armazenada no porto de Santos à espera de compradores. O Brasil perdeu espaço no mercado internacional desse produto para a Índia. O motivo da perda de competitividade brasileira está no preço muito alto do frete marítimo. Desde março este componente do custo do açúcar acumula altas sucessivas. Nos últimos oito meses, o preço do frete aumentou 110%. Resultado: as tradings que normalmente comercializam 70% do volume do ano até novembro, no atual momento conseguiram embarcar apenas 55% do açúcar produzido.
Os problemas do frete marítimo estão relacionados aos investimentos em infra-estrutura, especialmente a portuária. Desde o final da década passada, quando o País acelerou o fluxo exportador, o histórico quadro de baixos investimentos na infra-estrutura começou a mostrar seus dramáticos efeitos. Levantamento elaborado pelo Centro de Estudos em Logística da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) mostrou, por exemplo, que a movimentação de contêineres no Brasil cresceu em ritmo muito mais acelerado do que os de seus competidores. De 1996 a 2004, o volume aumentou 218%, enquanto a média nos principais exportadores mundiais foi de 108%. Nos dois últimos anos do período analisado, o uso de contêineres no Brasil avançou 44%. Isto com a mesma infra-estrutura de transporte e portuária de mais de vinte anos atrás.
É fato que nos últimos doze anos foram feitos investimentos, mas muito aquém do necessário. Estudo da Associação Brasileira da Infra-estrutura e Indústria de Base (Abdib) mostrou que para o Brasil efetivamente competir em igualdade de condições com os demais integrantes do Bric (Brasil, Rússia, Índia e China) seriam necessários investimentos anuais de US$ 4 bilhões em transportes. Porém, como revelou a pesquisa da entidade, entre 1995 e 2004 o volume de investimentos no setor foi de US$ 19 bilhões, média de US$ 1,9 bilhão, menos da metade do que seria necessário para manter a competitividade do produto brasileiro no mercado internacional. O resultado dessa escolha pode ser encontrado no açúcar encalhado no porto de Santos.
Boa parte da responsabilidade pelos frágeis investimentos na infra-estrutura portuária é do Estado. No final de 2004 o governo lançou a Agenda Portos, um conjunto de 64 projetos a serem realizados nos onze principais portos do País. O esforço procurava acompanhar a expansão do volume de exportações do País. Porém, das 64 ações planejadas há mais de três anos, apenas 18 foram realizadas e pagas. Para a Abdib, a principal razão da lenta implementação da Agenda Portos é da ausência de projetos, além de graves problemas de gerenciamento das obras em execução.
É verdade que a iniciativa privada, depois da longa espera por uma ação coordenada do setor público para recuperar a estrutura portuária, reagiu para amenizar as deficiências. Em abril deste ano, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) analisava cerca de 25 pedidos para a construção e exploração de Terminal de Uso Privativo (TUP) e Misto, o que configura uma oportunidade de negócios para empresas de diferentes rumos. Se aprovados pela agência, esses empreendimentos representariam aportes de R$ 4 bilhões no setor. A lógica dessa iniciativa é de que frente ao caos da infra-estrutura os empresários estão desenvolvendo seus próprios portos para não dependerem do governo.
O custo do frete marítimo, no entanto, não depende apenas dos investimentos na infra-estrutura portuária. Além do peso da carência de instalações eficientes, há, é claro, a grave questão cambial. Para minimizar perdas com o dólar tão desvalorizado, as exportadoras de açúcar, para manter o exemplo desse produto, mantêm estocado o produto na safra, quando os preços normalmente caem, para vender o produto, em condições bem melhores, na entressafra. Neste ano, porém, a Índia entrou nesse mercado de forma muito significativa com preços bem menores que os da oferta brasileira. Este fato, ao lado da escalada do custo do frete, acabou por retirar o açúcar brasileiro do mercado mundial neste momento.
A pressão desse conjunto de fatores, tanto os baixos investimentos em infra-estrutura de transportes como a profunda desvalorização do dólar, afeta pesadamente as exportações brasileiras. Merece atenção o dado da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) de que, nas quatro primeiras semanas de novembro, o saldo médio diário das exportações foi 35,5% menor do que no mesmo período de 2006. Se atitudes corretas não forem tomadas, em breve, não será apenas o açúcar que estará encalhado nos armazéns dos portos brasileiros.