Apontados como resposta brasileira à transição da economia fóssil para a sustentável, os carros com motor flex têm engasgado nos últimos verões. Não se trata da volta da síndrome dos antigos motores a álcool em dias frios, mas a entressafra da cana-de-açúcar desbota o brilho do modelo.
E ste cenário deve se repetir nos próximos três ou quatro anos.
– Se o mercado indicar preço sustentável, redução no custo de produção e não houver problemas climáticos, neste prazo o aumento de oferta pode voltar a ser compatível com o aumento da demanda. Desenvolver um canavial exige de cinco a seis anos – avalia Antonio Rodrigues, diretor técnico da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica).
Para driblar a escassez, de fevereiro a maio do ano passado foi reduzida a proporção de álcoo l anidro na gasolina C. Neste ano, com a cotação do petróleo nas alturas, nem se discutiu a hipótese. Em vez disso, o campeão mundial de competitividade em etanol trará do exterior produto na sua versão sem água (anidro) para evitar falta na mistura da gasolina – que também será importada pelo país autossuficiente em petróleo.
O preço da gasolina pura no Brasil neste mês está 14% abaixo da referência internacional, conforme Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (Cbie), um dos motivos do desequilíbrio.
– O consumo de combustíveis cresceu muito, porque uma das respostas à crise de 2008 foi incentivar a venda de carros. O preço do açúcar desvia o uso de cana para o etanol, e o investimento em novas usinas não ocorre na mesma velocidade do consumo. Mas o etanol só ficou caro em relação à gasolina porque o governo está subsidiando – observa ele.
Pádua admite que mais cana será usada para fazer açúcar, mas atribui a decisão à estrutura do preço da gasolina, administrado pela Petrobras. E sustenta que, ganhando mais com a venda de açúcar, o produtor poderá voltar a investir na expansão, o que não ocorreu nos últimos anos.
Embora grandes grupos internacionais tenham apostado no etanol brasileiro, não o fizeram com novos projetos, mas por aquisições.
– Muitas empresas se endividaram de tal forma que não havia como se recuperar. A única alternativa foi vender, o que abriu oportunidade para grandes grupos nacionais e internacionais– afirma Pádua.
Álcool perdeu liderança de consumo em 2010
No ano passado, o etanol cedeu a liderança conquistada em 2008 no mercado de combustíveis.
O consumidor que optou por um flex para acomodar o orçamento ficou na encruzilhada: desembolsará mais com qualquer combustível, até porque esses modelos são considerados “beberrões” – gastam mais.
– O pobre do dono do carro flex é um sortudo, porque pode decidir na bomba. A gente reclama muito, mas está em situação privilegiada na comparação com outros países – consola Amaryllis Romano, analista agrícola da Tendências Consultoria.
Para ele , a tendência é de que o preço do etanol fique próximo de 70% do valor da gasolina – limite para que seja competitivo, considerando o rendimento.
– Muito acima, derruba o consumo. Muito abaixo, gera consumo excessivo – diz Romano.
Pádua reconhece a insegurança provocada entre o fim dos estoques de uma safra e o início da próxima, mas ressalta que o período crítico é de 30 dias. Nos outros 335, o mercado funciona bem. Ao menos, para quem está perto da produção.
MARTA SFREDO