As grandes empresas do campo sempre ficaram longe da bolsa de valores. Um reflexo direto disso é que, entre as 500 maiores do setor no país, segundo levantamento do ANUARIO EXAME DE AGRONEGOCIO, menos de 10% têm o capital aberto. Mas essa situação está começando a mudar — e num ritmo bem rápido. Na década de 90, apenas três empresas da área abriram o capital. Foram elas o grupo avícola Minupar, a indústria de fertilizantes Fosfertil e a produtora de maçãs Rasip Agro. Nos últimos dois anos, seis companhias seguiram o mesmo caminho, incluindo gigantes como a Cosan, maior produtora de açúcar e álcool do Brasil, e a JBS, que controla o Friboi, um dos líderes nacionais entre os frigoríficos. A lista deve aumentar em breve. Outras duas empresas já protocolaram o pedido de abertura de capital na Comissão de Valores Mobiliários — o frigorífico Marfrig e a produtora gaúcha de grãos SLC Agrícola (os papéis desta companhia estavam previstos para estrear no pregão na segunda quinzena de junho). E há pelo menos mais quatro analisando essa possibilidade: Copersucar, Nova América e Usina Vale do Rosário (todas do setor de açúcar e álcool) e o grupo Bertin, um dos grandes concorrentes da JBS.
Não é coincidência o fato de a maioria das empresas que estão abrindo o capital ser das áreas de açúcar e álcool e de frigorífico. Além do bom momento vivido pelo mercado interno para seus produtos, esses setores encontram-se na lista dos que mais exportam. O crescente volume das vendas internacionais obriga as empresas a investir forte no aumento de produção — e isso cria a necessidade de captar dinheiro para poder aumentar a musculatura. “Como açúcar e álcool e frigoríficos são áreas muito pulverizadas, o caminho mais rápido para evoluir é comprando empresas menores do mercado”, diz Paulo Molinari, analista da consultoria Safra & Mercados. “Atualmente, a maneira mais barata de financiar esse processo de consolidação é por meio do mercado de capitais.”
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Para conseguir esse capital mais barato, no entanto, é preciso um longo preparativo, como fez a Cosan, a primeira usina do país que ingressou no Novo Mercado da Bovespa. Tudo começou em 2001, quando a empresa procurou os bancos para obter um empréstimo de 5 milhões de dólares. “Nenhuma instituição financeira quis emprestar o dinheiro devido à má reputação do setor sucroalcooleiro na época”, diz Paulo Diniz, diretor de relações com investidores da Cosan. A saída foi buscar recursos no exterior. Em 2004, com a ajuda dos bancos Morgan Stanley e Credit Suisse, a Cosan finalmente desembarcou em Nova York para emitir títulos no montante de 200 milhões de dólares. Graças ao êxito da operação, a empresa ganhou credibilidade para abrir seu capital. A estréia na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) ocorreu em novembro de 2005. Embalada pelo forte interesse estrangeiro pelo etanol, a Cosan captou 886 milhões de reais com a oferta de 29,5% de seu capital — parte do dinheiro foi usada na compra de três usinas de açúcar e álcool. Até 8 de maio, as ações da Cosan já haviam se valorizado quase 160% desde o lançamento. Os bons resultados animaram outras empresas. “Todos agora querem ser uma Cosan”, diz Celso Boin, da Link Corretora.
Cumprir o ritual exigido para o ingresso na bolsa de valores representa um desafio e tanto para muitas empresas do agronegócio. Alto grau de informalidade, contabilidade caótica e falta de transparência nas operação são questões ainda muito comuns em boa parte das companhias do setor. O ingresso no mercado de capitais exige que esses focos de problemas sejam completamente debelados. A exemplo da Cosan, o grupo Bertin procurou ajuda especializada para se enquadrar no figurino exigido, contratando a consultoria McKinsey para realizar uma faxina contábil na empresa. Ainda há a questão dos custos envolvidos no processo. Para tornar-se uma companhia aberta e lançar ações na bolsa, estima-se que uma empresa gaste em torno de 5% do valor a ser captado na abertura de capital. É um custo nada desprezível — no Friboi, por exemplo, os 50 milhões de reais de despesas com a abertura fizeram com que seu lucro no primeiro trimestre deste ano caísse 67% em relação ao mesmo período de 2006.
A empresa também vem servindo de exemplo para ilustrar algo que parece óbvio, mas é esquecido com freqüência pelas companhias: o jogo do mercado de capitais é de risco e os erros cometidos ao longo do caminho cobram um preço alto. A festa da entrada do Friboi na bolsa, ocorrida em março, terminou numa grande ressaca, provocada, em boa parte, por um erro de avaliação da JBS: o preço inicial de seus papéis foi fixado em 8 reais por ação. “Era muito alto, pois resultava num valor de mercado superior ao de empresas tradicionais, como Sadia e Perdigão”, diz Boin. O mercado foi impiedoso. Ao final do primeiro dia de negociações, as ações da JBS caíram 12,5%, a maior desvalorização na estréia de uma empresa na bolsa nos últimos três anos. Depois do tombo inicial, os papéis da JBS ensaiaram uma recuperação. No final de maio, começaram uma trajetória ascendente, depois que a companhia anunciou a compra por 1,4 bilhão de dólares da americana Swift Foods. Com a aquisição, o frigorífico brasileiro transformou-se no maior processador de carne bovina do mundo.
Como aprendeu a JBS nos últimos meses, a correção de uma estréia malsucedida, às vezes, pode consumir mais tempo e esforço do que o próprio trabalho de abertura de capital. É o que está fazendo no momento a empresa catarinense Renar Maçãs, uma das primeiras do setor de frutas a abrir o capital no país. Ela chegou à Bovespa em fevereiro de 2005. Em poucos dias, viu suas ações caírem mais de 50%. “O problema é que nossos papéis foram oferecidos apenas a pessoas físicas, um tipo de investidor que almeja ganhar dinheiro rápido”, diz Gelmir Antonio Bahr, diretor de relações com investidores da Renar Maçãs. Atualmente, a empresa passa por uma reformulação. Vem buscando diversificar seus negócios, investindo na industrialização de maçãs e na produção de outras frutas. O trabalho também incluiu uma reavaliação do patrimônio, que foi elevado de 33 milhões para 64 milhões de reais. “As mudanças já ajudaram na valorização dos papéis, que aumentaram de 60 para 90 centavos de real. Além disso, agora contamos com alguns investidores institucionais”, diz Bahr, confiante de que a Renar Maçãs poderá virar o placar de um jogo que parecia perdido.