A indústria sucroalcooleira do Brasil vive dias de exuberância e expectativa ímpares. Graças à tecnologia utilizada na produção do etanol, despertou o interesse de países desenvolvidos na busca por soluções que diminuam o impacto causado pela poluição na atmosfera. Mas a febre em torno do biocombustível pode trazer conseqüências desastrosas ao setor agropecuário. Com a perspectiva de que os investimentos estrangeiros vão aumentar nos próximos anos, fazendeiros já pensam em trocar o gado pela cana-de-açúcar, num movimento que pode ter reflexos irreparáveis ao setor pecuarista, sobretudo no Estado de São Paulo. A disposição dos administradores públicos em incentivar a implantação de novas usinas de beneficiamento de cana é compreensível. Mas o entusiasmo em torno do ouro verde não pode prejudicar o desenvolvimento de setores que possuem peso na balança comercial, como a pecuária. Nos últimos dez anos, a exportação de carne bovina saltou de US$ 500 milhões para US$ 3 bilhões, o que permitiu alcançar o topo do ranking mundial, com cerca de 20% do mercado, taxas de crescimento anual em valor (24%) e volume (31%). Porém a contrapartida governamental para estimular o setor ficou aquém do esperado, já que os produtores registraram aumento do custo efetivo de produção de 31% e um acúmulo de perdas que levou os preços da mercadoria ao menor patamar dos últimos 50 anos. O contra-senso na aplicação de recursos não se limita ao estímulo à cana-de-açúcar. Nos últimos anos, o governo federal destinou milhões para fazer a reforma agrária, em doses inversamente proporcionais ao que gastou com a pecuária. O investimento é justo e ameniza a situação difícil de milhares de famílias que vivem em situação de miséria. Mas de nada adianta se não houver o fortalecimento de outras atividades no campo. A posição privilegiada da pecuária nacional ainda não sensibilizou as autoridades, ao contrário do que ocorre com a cana. Até 2014, nossa liderança no comércio de carne bovina deve ser ainda maior, já que o consumo aumentará com o passar dos anos. Ao mesmo tempo, o número de produtores deve despencar por causa da redução do espaço para a atividade. Nesse sentido, o cenário que se apresenta diante de nossos olhos é fantástico, indicando que somente seis players permanecerão produzindo carne bovina – Brasil, Austrália, Canadá, Argentina, Índia e Nova Zelândia. Sem investimentos para a implantação de um rigoroso controle de vigilância sanitária, o produtor eficiente viverá ameaçado de ver seu produto rejeitado pela irresponsabilidade de quem não se preocupa em prevenir o surgimento de focos de febre aftosa. Desde 2000, a União Européia determinou a adoção de controles severos na rastreabilidade do gado. Mas ainda hoje o Brasil tem dificuldades para se enquadrar dentro dessas exigências. As outras mazelas enfrentadas pelo setor são comuns à maioria dos empresários brasileiros, como o câmbio, a política de juros altos e as dificuldades impostas pela lei. Se hoje controlamos um quinto do mercado mundial com todas essas dificuldades, imagine qual seria nossa parcela se houvesse maior seriedade em torno dessas questões. Enquanto isso, o estímulo à produção de etanol segue a todo vapor, incentivando o capital estrangeiro, com especial atenção para áreas localizadas em São Paulo. Aos poucos, os pequenos produtores alugam suas terras em troca de bons ganhos na colheita da cana. Se o governo estadual não agir rápido, corre o risco de ver essa indústria migrar para regiões como o Vale do São Francisco, no oeste baiano, e os Estados de Goiás e do Tocantins. Vai entregar, de bandeja, uma parcela importante da arrecadação tributária e ainda terá de explicar ao consumidor o porquê do inevitável aumento de preços. O empresário do campo não pode ficar refém da produção de etanol, principalmente porque está comprovado que existe vida além do mar de cana-de-açúcar vislumbrado por nossas autoridades. Se essa insistência se intensificar, a situação do setor pecuarista deve se agravar. Sem dinheiro para desenvolver tecnologia e ampliar a produção, o gado bovino nacional pode começar a gerar desconfiança nos mercados estrangeiros. Se canalizarmos a energia somente em torno da cana-de-açúcar, estaremos regredindo, numa espécie de retorno à monocultura dos tempos do Império. Um retrocesso que pode custar caro.
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