Antes da crise internacional, era grande a expectativa dos empresários e investidores de que o Brasil viesse a se tornar um grande exportador do etanol de cana, que se transformaria logo em uma commodity, com cotações internacionais. Havia justificativa para isso: em 2008, as exportações de álcool etílico foram recordes, tendo alcançado 4,72 bilhões de litros, carreando divisas no total de US$ 2,2 bilhões.
Hoje tudo parece ter mudado de figura. O álcool está escasso e caro. Projetos de investimento foram suspensos; as cotações do açúcar tiveram uma alta espetacular no mercado internacional, causada pela quebra sensível da produção de cana na Índia, o que tornou sua produção mais lucrativa que a de álcool; o consumo interno de etanol disparou com a arrancada das vendas de carros flex; e, para completar, a colheita no Brasil foi muito prejudicada pelas chuvas. Segundo a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), a produção de álcool na safra 2009/2010 caiu 7,69%.
Resultado: o País não tem álcool suficiente nem para atender às necessidades do mercado interno. Para contornar a situação, o governo acaba de autorizar a redução da taxa de adição de álcool anidro à gasolina de 25% para 20%, retomando uma prática já muito bem conhecida do consumidor brasileiro. A medida começa a valer a partir de 1º de fevereiro, pelo prazo de 90 dias.
Prevê-se economizar 100 milhões de litros de etanol por mês. Espera-se que os preços do álcool hidratado, que vinham em alta, se estabilizem em torno de R$ 1,80 o litro. O preço do litro da gasolina, hoje em R$ 2,60, certamente vai subir, pois aumentará a proporção do derivado de petróleo, que paga uma alíquota mais elevada (24%) de ICM do que o álcool (12%). Para ser restabelecido o equilíbrio entre os dois combustíveis, o litro de álcool deve custar 70% do de gasolina.
Com a enorme frota de veículos do País, não podem ser ignorados os efeitos ambientais da decisão, como o aumento das emissões de poluentes. Tudo seria mais tolerável se fosse apenas uma contingência, mas, na verdade, o problema é tão repetitivo quanto as enchentes. Teria o brasileiro de se conformar com ser um consumidor sazonal de etanol?
Os riscos são bem claros. Passada a fase do Proálcool nas décadas de 1970 e 80, os carros a álcool foram perdendo mercado, passando nos anos 90 a responder por uma ínfima proporção da produção nacional de veículos. O álcool só voltou a ganhar credibilidade junto ao consumidor com a produção em massa, a partir de 2003, de carros flex. Atualmente, quase todos os automóveis nacionais são flex.
Se o consumidor brasileiro deixar de acreditar no álcool combustível, o que acontecerá quando os preços do açúcar baixarem, como ciclicamente ocorre? É preciso, portanto, que os usineiros se articulem para oferecer os dois produtos em volumes adequados. Calcula-se que existam hoje no Brasil mais de 400 usinas de álcool, de todos os portes.
As menores e menos capitalizadas são levadas a vender o álcool a preços irrisórios nos nove meses de produção, simplesmente para atender às suas necessidades prementes de capital de giro. O problema central é que os custos financeiros para estocagem (warrantagem) de álcool são muito elevados e poderiam ser reduzidos.
Tão importante quanto evitar que o álcool combustível deixe de atrair o consumidor brasileiro é ampliar as exportações, que caíram para US$ 1,27 bilhão até novembro do ano passado, de acordo com os últimos números divulgados. Mercado no exterior existe e ele é crescente.
O setor sucroalcooleiro no Brasil vem passando por uma consolidação com a entrada de multinacionais, focadas em produtividade, e seu objetivo maior é o mercado externo de etanol. Um número cada vez maior de países vem estabelecendo porcentuais para a mistura de etanol à gasolina – até mesmo a China já o fez, em algumas províncias – como forma de proteção ambiental. Não precisamos de um novo Proálcool, que consumiu milhões em financiamentos e subsídios. O que é necessário é uma política com objetivos definidos, capaz de conferir uma previsibilidade razoável a esse setor.