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Nenhum país atraiu investimentos sem oferecer estímulos fiscais

Luiz Fernando Furlan ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior

O ministro Luiz Fernando Furlan não quer ouvir falar sobre o desencontro entre Fazenda e Desenvolvimento da semana passada. Ao ser indagado sobre a confusão, ameaça encerrar a entrevista ao Estado –

iniciada durante a semana e completada sexta-feira -, caso se insista no tema. O fato é que declarações suas sobre a preparação de novas medidas de desoneração fiscal provocaram reação forte do secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Júlio Sérgio Gomes de Almeida, que achou por bem desdizer o ministro, afirmando que nem que o governo arriasse as calças seria possível abrir mão de arrecadação neste momento, na tentativa, por exemplo, de atrair a instalação de fábricas de semicondutores ou microprocessadores. Gomes de Almeida levou um puxão de orelha do seu chefe, o ministro Guido Mantega, que falou com Furlan, e a turma dos panos quentes saiu à rua, mas sem deixar claro qual será o destino e o timing das medidas em elaboração.

Pelos bastidores, sabe-se que o governo de fato estuda incentivos para três setores considerados prioritários para a política industrial: construção civil, bens de capital e semicondutores. Importantes por conta do estímulo ao emprego, ao investimento e à inovação, bem como por ser ano eleitoral. Não se trata de um pacote a ser conhecido em anúncio único, mesmo porque os estudos estão sendo feitos por áreas diferentes. Mas, como o ritmo é dado pelo Ministério da Fazenda, existem dúvidas sobre o timing. O acordado é que as decisões saiam à medida em que forem sendo finalizadas, pois elas não estão vinculadas umas às outras. Algumas estão mais adiantadas e outras menos. O bate-boca desta semana corre a favor de um recuo na implementação dessas medidas Furlan frisa que tem relação excelente com o ministro Guido Mantega e tem trabalhado alinhado com a política de desenvolvimento proposta pelo presidente Lula . Na verdade, Furlan e Mantega são desenvolvimentistas, só que cada um tem uma função diferente.

Furlan quer ver as coisas andando rápido. Na Fazenda, é preciso equilibrar os pesos na balança, o que leva mais tempo. O que importa é que estamos trabalhando propostas para aumentar a competitividade da indústria nacional, diz Furlan.

Por que é tão importante dar incentivos para o setor de semicondutores? A programação de implantação da TV digital exige?

Desde o lançamento da política industrial, nossa equipe vem trabalhando na área de semicondutores e na atração de investimentos. Fomos para Israel, Japão, Coréia, Europa, Estados Unidos e Costa Rica para estudar formas de atração de empresas de semicondutores para o Brasil. A conclusão a que chegamos é que nenhum país atraiu investimentos sem oferecer estímulos fiscais. O grupo que debate a TV digital chegou à mesma conclusão. O que fizemos foi apresentar uma proposta concreta nesse campo já que faz parte da nossa função promover a inovação, o investimento e a geração de emprego.

Dá para sair este ano?

Tem que sair este ano, caso contrário, poderá atrasar todo o processo da TV digital. No acordo feito entre os governos brasileiro e japonês, há etapas que precisam ser cumpridas de forma que a implantação da TV digital no Brasil não perca os prazos estipulados.

Mas seria só para estrangeiros?

Não. O presidente tem dito que a palavra-chave para o próximo mandato é desenvolvimento e desenvolvimento se faz com investimento, produção e infra-estrutura.

Um pleito antigo dos industriais é uma política industrial. Ela foi implantada em 2004. Que frutos rendeu ou até onde andou?

Há quatro vertentes nessa política industrial. Três delas caminharam bastante. Uma delas, no campo de bens e capital. Fizemos o trabalho de desoneração, de modernização, crescimento das exportações. O segundo ponto aconteceu na área de fármacos. Estamos nos tornando uma base de exportação deste tipo de produtos. As pesquisas evoluem e o Brasil teve um saldo extraordinário. Estamos tratando com grandes organizações para atração de investimentos na área de tecnologia básica. O terceiro ponto da política industrial está ligado à área de software: estamos crescentemente trabalhando na expansão do software, na exportação, na consolidação de empresas brasileiras com apoio financeiro do BNDES, inclusive como acionista. Estamos devendo o quarto item.

Com a TV digital, estamos atrás de investimentos fortes na área de semicondutores.

Neste momento, estamos em tratativas com vários grupos internacionais para a instalação no Brasil de sistemas de produção de componentes e semicondutores, a partir do conjunto de medidas de ordem fiscal para estimular investimentos nessa área.

Muito se reclamou do câmbio. A balança comercial, no entanto, continua firme e forte. Como se explica isto?

´Muitas vezes o que o presidente decide leva dois anos para ser implementado´

A explicação é s imples.

Existem setores que estão indo melhor e outros setores que não. Na soma, estamos indo bem. Estamos tendo, no ano, um crescimento importante de exportações na área de petróleo. Dados mostram que o produto cresceu 90% no primeiro semestre em relação ao ano passado. As exportações de minérios também vêm crescendo bastante. Algumas commodities agrícolas como açúcar, suco de laranja e também café, estão bem. O setor de material de transporte, ônibus, caminhões, autopeças, automóveis, aviões, tem tido um desempenho positivo.

Mas há alguns setores que têm perdido velocidade, principalmente calçados, móveis e confecções. O Brasil era superavitário em têxteis e confecções, mas estamos perdendo vantagem agora.

O novo patamar do câmbio veio para ficar?

Cada vez mais, conforme o tempo vai passando, há uma percepção de que o patamar atual de câmbio não terá grandes mudanças no médio prazo.

Mas nós podemos atuar fortemente na simplificação, na desburocratização, na desintermediação financeira como foi feito agora com a MP cambial. Podemos melhorar a logística na infra-estrutura, simplificar o trânsito aduaneiro, reduzir custos de portos e aeroportos. Essas mudanças, diferentemente do câmbio, não são voláteis.

Uma vez feitas, mantêm-se exercendo impacto positivo na competitividade brasileira.

O sr. tinha uma visão algo negativa sobre a administração pública antes de entrar no governo. Isso mudou?

Há duas percepções que são bastante características.

A primeira é que, numa empresa, você conhece seus acionistas e eles têm representantes que aprovam as diretrizes gerais da empresa e dão suporte político para que elas caminhem. No governo, fica um pouco difuso quem são os acionistas, simplesmente porque eles são toda a população brasileira e ela não se manifesta de forma harmônica. Muitas vezes, grupos mais ativos predominam na influência, porque grupos maiores são silenciosos. A outra diferença é ligada à velocidade de implementação de decisões. Numa empresa, depois que se resolve o que se tem que fazer e como fazer, a implementação tende a ser muito mais rápida. No setor público, há uma quantidade imensa de dificuldades, que fazem com que muitas vezes uma decisão do próprio presidente, dois anos depois, não tenha sido completamente implementada.

Dê um exemplo.

A eliminação dos gargalos portuários, decidida em setembro de 2004 numa reunião com o presidente Lula. Ele assistiu a uma bem-preparada exposição feita por um grupo interministerial, com diagnósticos e estimativas de custos. O presidente aprovou, determinou que fosse feito e, hoje, nem 50% daquilo que foi decidido foi implementado. Não por falta de decisão política, não por falta de recursos, mas porque há questões burocráticas, projetos, licitações, embargos de licitações, interveniência do Ministério Público, de ambientalistas. O que seria um grande benefício para a produção, acaba tendo um retardo que causa bilhões de prejuízo para todos.

Nós estamos em fim de mandato. Caso o presidente Lula seja reeleito, o sr. fica?

Eu tenho um compromisso com o governo Lula de quatro anos. Acredito que uma boa parte dos desafios que foram colocados no começo do mandato foram alcançados. Este não é um assunto que eu possa me manifestar, porque depende de eleições, depende da montagem do novo governo e depende de qual desafio será proposto. Masme programei para 4 anos de serviço público.

O sr. pretende disputar as eleições na Fiesp?

Estou hoje focado na minha atuação no Ministério. E só.