Eu me confesso farto desta discussão que se faz em torno da questão do PAC. Uma conversa fiada. Uma celeuma pobre que impede que se entenda que a verdadeira questão estratégica diz respeito à qualidade do desenvolvimento que se deve buscar. A fina flor do pensamento econômico que faz planejamento em nosso país continua narcotizada, achando que desenvolvimento se faz com a modernização dos setores primário (agribusiness, minério e petróleo) e secundário (produtos industrializados) e criando ambiente de negócios mais favorável para o setor de serviços (terciário).
Poucos conseguem ver que modernização da economia no século XXI é o crescimento dos setores quaternário (tecnologia de informação e atividades de alto valor agregado em termos de conhecimento intelectual) e quinário (que inclui o mais alto nível de inovação, conhecimento e criatividade, incluindo aí software, internet web 2.0, modas, design, universidades, serviços de saúde high-tech, mídia, robótica, biotecnologia, engenharia genética, nanotecnologia, entretenimento, fármacos de primeira linha, etc.).
A Unesco, órgão das Nações Unidas para Educação e Cultura, confirma em relatório recente que, nesta nova concepção de desenvolvimento, a guerra pelos talentos é um dos mais importantes desafios. Mais do que macroprojetos e guerra fiscal para atrair fábricas, siderúrgicas, refinarias e outras indústrias típicas do século XX. Gente criativa e cultura empreendedora é que fazem acontecer.
Por esse relatório ficamos sabendo que hoje existem quase 10 milhões de pessoas altamente qualificadas trabalhando em pesquisa e desenvolvimento tecnológico no planeta. Nos Estados Unidos, há 1,4 milhão. Aproximadamente 3 milhões atuam na União Européia. Destes, 664 mil estão na Alemanha, 415 mil na França e 200 mil na Inglaterra. Na Ásia, existem 4,5 milhões desses trabalhadores qualificados. O Japão tem 1,1 milhão deles. A China, outro 1,1 milhão. A celebrada Índia tem 400 mil. Já o Brasil, em comparação, tem apenas 130 mil.
O relatório da Unesco mostra ainda a evolução desse número nos últimos dez anos para vários dos países analisados. A dinâmica é contundente: os EUA e a China são os maiores formadores e atratores de talentos. A China assusta: sua lista cresceu em 300 mil pessoas em oito anos. Os países do antigo Leste Europeu estão perdendo cérebros. Eles preferem viver nos EUA ou em outros países da União Européia. Em termos porcentuais, a grande campeã em formar e atrair talentos é a Espanha. Praticamente duplicou seu número em sete anos. Portugal também está fazendo bonito. No mesmo período, elevou em 50% sua força de trabalho inovadora.
No Brasil precisamos pelo menos duplicar rapidamente o número de talentos em pesquisa e desenvolvimento e inverter a tendência que nos faz perder quase 16 mil talentos por ano para o exterior. Mais que isso: precisamos fomentar uma cultura baseada na inovação e no empreendedorismo. E apostar menos no modelo de macroprojetos agroextrativista-industriais. Precisamos de menos BNDES e mais capital de risco.
Precisamos de visões agressivas e criativas que sejam inspiradoras de ruptura. Chega dessas coisas tipo PAC, plocs e outras onomatopéias. Uma borboleta não é uma lagarta que acelerou seu crescimento. O país não precisa se desenvolver por igual para que finalmente sejamos capazes dar um salto de qualidade. Precisamos, sim, de um novo norte estratégico, sobretudo considerando que já existe um segmento importante da população do Brasil de pelo menos 2 milhões de pessoas – os criativos inovadores – que nos possibilita, como nação e sociedade, tomar um caminho diverso do tradicional mais-do-mesmo. Precisamos colocar uma estaca no coração desse zumbi, aquela visão recorrente Brasil-grande-dos-anos-70 que entende BNDES e desenvolvimento industrial como a grande alavanca para o crescimento sustentável.
Precisamos nos libertar da condenação de produtor de commodities: ontem pau-brasil, açúcar, borracha, e café; hoje petróleo e soja. Despejemos no ralo a taça da maldição dos recursos naturais que condena os povos à indolência e à indigência em termos de atitude.
Devemos ser sonhadores do presente, não do passado. Devemos tomar como exemplos os caminhos de renascimento da Irlanda, da Catalunha; da construção criativa que Israel como sociedade representa. Israel mostra que não é pelo número de cientistas e pesquisadores que se correlaciona desenvolvimento econômico e tecnológico. Você sabia que, das 328 empresas não sediadas nos EUA com ações negociadas na Nasdaq, 77 são israelenses?
Não é a economia, estúpido. É a visão estratégica.
Ricardo Neves, consultor, autor de “O Novo Mundo Digital” (Ediouro)