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Na Usina Pindorama, patrão pode ser demitido

Patrimônio avaliado em R$ 400 milhões, faturamento acima de R$ 50 milhões/ano, 32 mil hectares de terras em três municípios (Coruripe, Penedo e Feliz Deserto), 1,7 mil empregos diretos e cinco indústrias. A unidade inaugurada mais recentemente, em novembro de 2003, é uma fábrica de açúcar com capacidade para oito mil sacas/dia. É toda operada por computador e considerada uma das mais modernas do Nordeste. Os investimentos de R$ 13 milhões na indústria foram feitos com recursos próprios.

Esse perfil poderia se encaixar em um dos grandes grupos do Nordeste – um típico conglomerado comandado por grandes empresários ou usineiros. Mas trata-se de uma empresa cujos donos andam de moto 125 cilindradas e trabalham em regime de agricultura familiar – a Cooperativa Pindorama.

Num Estado onde os Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) estão entre os piores do País, Pindorama pode ser considerada uma ilha de prosperidade. As famílias dos “colonos”, como são chamados os cooperados, têm situação econômica de fazer inveja à maioria dos alagoanos.

Aos 24 anos, o técnico agrícola Osório Tenório Cavalcante tem salário de R$ 750 na entressafra da cana e de R$ 1.050,00 durante a safra. Está há três anos no emprego. Filho de colonos, dá assistência aos vizinhos e ajuda a família a plantar cana e maracujá – as principais atividades do local. “Ganho melhor do que se trabalhasse em outras usinas. E ainda tenho vantagens”, resume.

As vantagens a que ele se refere são o plano de saúde, apoio (máquinas e financiamento para o plantio) e qualidade de vida. “Aqui tem clube e à noite a praça fica cheia de meninas bonitas. Não penso em sair daqui”, avisa.

Assim como Osório, quem vive em Pindorama não quer ir embora. “Teve gente que foi e voltou e não vai mais”, conta Edeilson Alves Pereira. Aos 35 anos, 34 vividos na cooperativa, ele produz com o pai e os irmãos cana-de-açúcar, maracujá e mandioca num lote de 25 hectares da aldeia (esse é o nome das comunidades por lá) Baixo Piauí.

Daqui não saio

No mês passado Edeilson iniciou, com apoio da cooperativa, mais uma atividade – a criação de frango de corte. “Com mais 20 dias vou entregar o primeiro lote à Luna (empresa que faz integração com os colonos) e espero receber mais de R$ 2 mil livres”, calcula.

Quanto vale a posse que Edeilson explora com a família? De R$ 150 mil a R$ 200 mil. Mas ele se adianta. “A gente não vende. Por aqui não se acha terra. Quem tem não quer se desfazer”.

Há 23 anos na cooperativa, outro que não quer ir embora é o químico Luiz Antônio. Ele chegou antes da inauguração da destilaria Pindorama – que começou a operar em 1982 – e comemora a inauguração da fábrica de açúcar, que ajudou a construir, “a garantia do futuro da cooperativa”- como uma vitória pessoal.

E em Pindorama é assim. Mesmo ainda não se sentindo “usineiros” – status que ganharam com a nova fábrica – os cooperados sabem que são donos do negócio. Lá, o patrão pode ser demitido. A cada quatro anos, a diretoria enfrenta eleições. Se vai mal, é substituída.

Visionário?

E foi com esse objetivo que a “colônia” foi criada, 50 anos atrás, pelo franco-suíço René Bertholet. Um “visionário” que antecipou a reforma agrária que dá certo. “O Lula deveria vir aqui ver isso de perto”, aconselha o presidente da cooperativa, Klécio dos Santos.

O modelo montado por Bertholet com dinheiro alemão – uma agroindústria de sucos de maracujá – sobreviveu e ganhou forças. Hoje, Pindorama fabrica seis sabores de sucos, tem fábricas de beneficiamento de coco e de laticínios, destilaria e usina de cana.

A cooperativa é dona de tudo. Uma salvaguarda imaginada por Bertolhet para evitar que o patrimônio comprado para pequenos produtores pudesse cair nas mãos dos “poderosos”. E é dividida em 1.180 cotas Lá, não se compra, nem vende terras. Apenas a posse. Ainda assim, um hectare vale entre R$ 7,5 e R$ 8 mil. De longe as terras mais valorizadas de Alagoas.

Em Pindorama se produz de tudo um pouco. Tem fruticultura, horticultura, pecuária de corte e de leite. Mas quem predomina é a cana, cultivada em 12 mil hectares. Cana? Mas isso não é coisa de usineiro e grandes produtores? Klécio filosofa. “Esse é o nosso maior paradigma. Conseguimos transformar a cana num negócio lucrativo para a agricultura familiar. Hoje, nossa usina é a única que pertence a pequenos produtores. Foi comprada com nosso dinheiro e dá lucro. Será que o governo sabe disso?”