Poucos países do mundo podem ser considerados potências dos agronegócios, se pesarem nessa definição volume de produção, eficiência, diversificação de cadeias, importância para a economia doméstica e influência no mercado externo.
Os Estados Unidos há décadas são a maior dessas potências, puxados por um imbatível gigantismo em trigo e milho, as duas principais commodities agrícolas globais. Mas o Brasil também está entre elas, muitas vezes dividindo espaço, prestígio e liderança com os próprios americanos e com australianos e argentinos, outros dois protagonistas com grande relevância em grãos e carnes.
Não é de se estranhar, portanto, que qualquer revolução de envergadura mundial capaz de abalar os alicerces do setor faça estardalhaço nas potências que têm no campo boa parte de seu Produto Interno Bruto (PIB). Pois uma dessas revoluções está em andamento. Despertado pelo alarme da disparada dos preços do petróleo e pelo barulho de ambientalistas em torno das ameaças à vida no planeta, os biocombustíveis transformaram-se em uma “febre”. Planos para a adoção de etanol e biodiesel pululam em diversos países, investimentos para a fabricação dos energéticos são anunciados todos os dias em algum lugar, produções agrícolas são deslocadas para alimentar a nova onda.
E o campo brasileiro fervilha. Em etanol e biocombustíveis, os aportes em curso para expandir a oferta chegam perto de US$ 7 bilhões – US$ 5 bilhões em novas usinas sucroalcooleiras e quase US$ 2 bilhões em plantas de biocombustíveis a partir de matérias-primas como soja, mamona, pinhão manso e até gorduras animais.
Até 2012, os projetos já anunciados poderão absorver investimentos da ordem de US$ 16 bilhões. E outros projetos virão, multiplicando a oferta, os lucros e, para muitos economistas, os riscos. Já se fala em uma nova “bolha”, como aquela da internet que derrubou mercados no mundo todo. Mas, para quem vive do campo, trata-se de uma nova era, sem espaço cativo para incompetentes e/ou aventureiros.
“Foi uma loucura da humanidade construir sua evolução sobre um combustível fóssil, finito e poluente. O Brasil, que pode duplicar sua produção de álcool por hectare nos próximos dez anos, tem condições de liderar uma mudança de civilização rumo a uma outra matriz energética. Os biocombustíveis podem ser a ponte para isso, sem concorrer com os alimentos”, afirmou o ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, recentemente, em sua posse como coordenador do GV Agro, centro voltado ao desenvolvimento do agronegócio brasileiro criado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Ninguém duvida que se trata de uma imensa oportunidade para o Brasil. Mas, para os mais ponderados, essa oportunidade poderá se transformar em decepção e problema caso a falta de organização que predomina no mercado, envolvendo os estoques de álcool e a divisão de matérias-primas para biodiesel, se solidifique com o passar dos anos. Pouquíssimas áreas da economia mantêm elevados níveis de remuneração o tempo todo, e na agroenergia não deverá ser diferente.
“O programa brasileiro é novo, incipiente. Estamos encontrando o caminho. O governo tem papel indutor nesse processo, mas a política para o segmento ainda vai evoluir”, afirma o atual ministro da Agricultura, Luís Carlos Guedes Pinto. Ele lembra que é preciso garantir a participação dos agricultores familiares no desenvolvimento do mercado, mas sem alijar do processo os produtores de maior porte de grandes culturas como a soja.
Incipiente em biodiesel, mas muito forte no álcool, a agroenergia já provoca reflexos positivos sobre os macroresultados do setor no país. A começar pelos resultados da renda agrícola (“da porteira para dentro”) apurados por José Garcia Gasques, coordenador de planejamento estratégico do Ministério da Agricultura.
Neste ano, conforme Gasques, a renda proporcionada pela cana deverá aumentar 24,4% em relação a 2005 e alcançar R$ 17,2 bilhões. Com a expansão em curso – há mais de uma centena de novas usinas projetadas para os próximos anos -, a previsão é atingir R$ 19 bilhões em 2007. Com isso, a queda consolidada de renda das 20 principais culturas do país será mais amena em 2006. Enquanto em 2005 a retração sobre 2004 foi de 12,3%, para R$ 99 bilhões, neste a redução já será de apenas 1,4%, para 97,6 bilhões. Para 2007, Gasques prevê, no total, R$ 97,3 bilhões, sobretudo em virtude de uma desaceleração na laranja, que hoje vive fase excepcional de preços no mercado externo.
A soja, ainda o carro-chefe do agronegócio brasileiro, deverá registrar renda agrícola de R$ 22,1 bilhões em 2006, mais de 13% abaixo do ano passado e 40% menos que em 2003, quando a receita alcançou o recorde histórico de R$ 37,1 bilhões. Mais um sintoma de uma crise de liquidez e renda que resultou em uma série de pacotes de socorro para o segmento e em rolagens de dívidas com custo de cerca de R$ 20 bilhões ao Tesouro Nacional.
Cálculos da Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA) e do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da USP (Cepea) mostram que, com a ajuda do “efeito etanol”, a queda do PIB do agronegócio deve se limitar a 0,53% em 2006. Na projeção anterior, previa-se retração de 1,54% – em 2005, a queda chegou a 4,66%. As projeções foram baseadas no desempenho registrado entre janeiro e setembro.
Também na balança comercial do setor a participação dos produtos sucroalcooleiro ganharam peso. De janeiro a outubro, enquanto as exportações do complexo soja somaram US$ 8,3 bilhões, 1,4% mais que em igual intervalo de 2005, os embarques de açúcar e álcool renderam 59,1% a mais e atingiram US$ 6,2 bilhões. No total, os embarques nacionais do agronegócio alcançaram US$ 40,9 bilhões até outubro, 13% mais que nos primeiros dez meses de 2005.
A agroenergia já deixa seus reflexos positivos. O caso do milho é o mais emblemático. Como a mania chegou aos EUA, onde bilhões de dólares estão sendo aplicados em usinas de etanol produzido a partir do grão, o Brasil começa a ganhar espaço no exterior e pode se transformar em exportador regular, apesar de ainda não apresentar produtividade à altura de EUA e Argentina, os maiores exportadores.
A mesma corrida que já levou exportadores brasileiros a acertar entregas a clientes no exterior em janeiro de 2008 – de uma produção que sequer foi plantada, o que nunca havia acontecido antes – está sustentando as cotações internacionais do milho e ajudando a puxar a soja. Junto com o trigo, que enfrenta problemas de quebra de safra em importantes produtores como a Austrália, as três commodities reagiram na bolsa de Chicago nos últimos meses, e as perspectivas para a trinca nos próximos anos mudaram para melhor.
A pujança da cana também deixou efeitos positivos sobre as vendas de fertilizantes, defensivos e máquinas agrícolas. Nos três segmentos, uma simples divisão geográfica das vendas comprova que nas regiões canavieiras tradicionais do país – São Paulo abriga o maior parque do mundo – houve aumento dos negócios, enquanto nas áreas de grãos, em fase final de uma crise de liquidez e renda, o mercado mostrou-se mais travado.
Mas economistas e empresários afirmam que uma revolução apenas não basta. Para aproveitar a onda e torná-la sustentável, é preciso uma política agrícola indutora do desenvolvimento, planejamento, câmbio mais favorável às exportações, aumento dos investimentos em tecnologia e infra-estrutura e um trabalho constante de abertura de mercados.
O papel do governo, segundo as mesmas avaliações, também é zelar pela qualidade dos produtos brasileiros, vegetais e animais, e nesse ponto os investimentos em ações de defesa sanitária, vegetal e animal são fundamentais. “Sanidade é o novo nome do protecionismo”, repete o ex-ministro Pratini de Moraes, hoje presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec).
Pratini sabe bem do que está falando. Por conta da descoberta de casos de febre aftosa em bovinos do Mato Grosso do Sul e do Paraná, no fim de 2005, mais de 50 países adotaram embargos parciais ou totais às carnes bovina e suína do país, e, apesar de amenizadas, barreiras persistem.
Apesar dos problemas, o Brasil tende a manter a liderança mundial nas exportações de carnes bovina e de frango em 2006. No total, as exportações nacionais de produtos de origem animal deverão alcançar US$ 9 bilhões no ano, ou 20% do total previsto pelo Ministério da Agricultura para os embarques dos agronegócios.