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Mudança não anima investidor em energia

Mesmo após as concessões feitas pelo governo no Senado para aprovar o novo modelo do setor elétrico, os investidores privados ainda não garantem que participarão do processo de construção de novas usinas. O dinheiro privado é vital para evitar o risco de falta de energia a partir de 2007.

O risco de falta de energia está relacionado ao desempenho da economia nos próximos anos. Caso aconteça o crescimento projetado pelo governo, a atual sobra de energia -aproximadamente 7.000 MW médios- se esgota em quatro ou cinco anos, na avaliação dos investidores privados. O governo também sabe que essa sobra acaba, mas avalia que isso pode acontecer em 2008 ou 2009.

No Senado, os investidores conseguiram importantes avanços, após pressionarem o governo publicamente por mudanças na proposta do governo, por meio de anúncio veiculado em jornais de grande circulação, prevendo o risco de falta de energia. Ainda assim, alegam que as mudanças não foram suficientes.

“Houve progresso, reconheço o mérito do acordo político”, afirma Cláudio Sales, diretor-presidente da Cbiee (Câmara Brasileira de Investidores em Energia Elétrica). “Por outro lado, pendências graves não foram resolvidas. A medida provisória não é um instrumento completo. São necessárias outras medidas e projetos de lei com mais definições para garantir o investimento”, avalia.

Avaliação semelhante é compartilhada por Flávio Neiva, presidente da Abrage (Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica). “O setor precisava de um modelo, por isso foi boa a aprovação [da medida provisória]. Mas para destravar os investimentos, será preciso conhecer, o mais rápido possível, o detalhamento das medidas”, diz.

O cerne da crítica dos investidores é o fato de o modelo aprovado, mas cuja votação ainda não foi concluída, não detalhar os procedimentos para compra e venda de energia. Além disso, o modelo prevê que esse detalhamento virá em regulamentos que serão editados pelo Ministério de Minas e Energia, sem ir para o Congresso.

Ou seja, não haveria espaço para discussões e emendas, as regras não se transformariam em lei e, dessa forma, poderiam ser mudados a qualquer hora.

Como instrumento de pressão, os investidores privados têm usado estudo encomendado à consultoria Tendências. De acordo com o estudo, caso haja crescimento de 4,5% nos próximos três anos e de 3,4% nos sete anos seguintes, haveria necessidade de investimentos de R$ 20 bilhões por ano para garantir a oferta de energia. O setor público só poderia arcar com R$ 9 bilhões.

Pelo estudo, seria necessário aumentar a capacidade de geração de energia elétrica em 5,1% por ano. De 2002 para 2003, a capacidade instalada no Brasil aumentou 4,3%, passando de 80.314 MW para 83.807 MW. No ano passado, no entanto, praticamente nenhuma nova obra de aumento de oferta de energia começou.

Como as usinas hidrelétricas demoram em média cinco anos para ficar prontas, a paralisia do setor em 2003 (com a incerteza em relação ao novo modelo) terá efeito nos próximos anos e só não é mais grave devido à atual sobra de energia. Em 2003, mesmo com queda de 0,2% no PIB (Produto Interno Bruto), o consumo de energia no país aumentou 3,7%.

Concessões

No Senado, o governo cedeu e permitiu que usinas já instaladas, mas que não conseguiam vender sua energia por causa da queda no consumo causada pelo racionamento (junho de 2001 a fevereiro de 2002), pudessem vender energia nos leilões de energia “nova”.

Os leilões para energia “nova” são mais atrativos, porque essa energia tem preço maior. A energia “nova” é a que é gerada por uma usina que acabou de ser construída e, por isso, o preço cobrado pelo produto aumenta para pagar o investimento feito. O governo também ofereceu prazos e condições melhores para a energia “nova”, para incentivar a construção de novas usinas e ampliar a capacidade de geração.

Na votação dos destaques da medida provisória, prevista para terça-feira, os investidores tentarão ampliar as concessões feitas. Depois, tentarão fazer com que o governo regulamente o novo modelo por projeto de lei ou mesmo por medida provisória, para que haja discussão no Congresso e, depois, regras perenes.

A prova de fogo do novo modelo do setor acontece no final deste ano, quando devem acontecer os leilões para a concessão de novas usinas. Caso haja interesse do setor privado, ficará claro que o investidores estavam só pressionando o governo por facilidades. Caso não haja interesse, porém, o governo terá pouco tempo para pensar em mudanças no modelo para tentar novamente atrair investidores, a tempo de evitar uma crise de abastecimento.