Mercado

Ministro Coutinho, afinado com o Planalto

Importantes empresários dizem ter ouvido, na semana passada, pela voz do economista Luciano Coutinho, em sua posse na presidência do BNDES, as palavras que queriam ter ouvido do novo ministro do Desenvolvimento. O ministro, Miguel Jorge, até havia dito algo correto: não cabe ao Estado socorrer empresa ineficiente. Mas a questão era outra, e foi tratada por Coutinho, já na posse: o que fazer para dar às empresas brasileiras condições de competir no mercado com custos crescentes em dólar e o conhecido custo Brasil.

Diplomático, cuidadoso, Luciano Coutinho disse que “tem pressa”, e apontou a artilharia do BNDES para todas as áreas, da infra-estrutura e o meio ambiente à saúde e à geração de empregos com inovação tecnológica. Incluiu na lista medidas para atender às empresas mais afetadas pela valorização do real em relação ao dólar, e conquistou os ecologistas, com um discurso em defesa do aspecto ambiental dos investimentos.

Fez mais que isso: quando muitos economistas afirmam que reduzir drasticamente o superávit nas contas de comércio é o caminho desejável para desvalorizar o real, Coutinho defendeu veementemente um superávit comercial “suficientemente alto” para cobrir as necessidades do balanço de pagamentos nas contas externas, e para garantir um colchão de reservas em moeda internacional capaz de garantir a “confiança dos investidores” – e desencorajar aventuras especulativas.

Um importante executivo de empresa multinacional lembrava, na semana passada, que o novo presidente do BNDES tem uma característica que faltou ao comando da política industrial, nos últimos anos: reúne um sólido conhecimento de macroeconomia com uma inédita experiência em microeconomia. É, talvez, o único no governo.

Ainda que defenda idéias polêmicas, especialmente para os economistas de vocação mais liberal, Coutinho é capaz de unir uma visão de longo prazo às estratégias setoriais que já estuda para o governo desde a presidência de Fernando Henrique Cardoso. Será mais um economista, no governo, a defender o controle das contas públicas, não só por tetos quantitativos, mas com uma inteligente avaliação de resultados e desperdícios. E encanta, por exemplo, o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, que já o procurou para falar dos planos do BNDES para a indústria farmacêutica – anunciados, na posse, aliás.

Economista teve tempo para preparar plano de ação

Coutinho tem, ainda, outra característica, provavelmente a responsável pela presença maciça de empresários e comparecimento de ministros e governadores que haviam dispensado a transferência de cargos no Ministério do Desenvolvimento. O economista é bem mais próximo do presidente Lula que o ministro, o que o torna alvo preferencial das conversas do setor privado, e mesmo do governo.

Enquanto Miguel Jorge foi chamado às pressas ao governo, para surpresa até dele mesmo, o novo presidente do BNDES recebeu o convite de Lula ainda no primeiro mandato, no fim de novembro. Jorge mal teve tempo de conhecer a estrutura do ministério que assumiu. Coutinho, já em dezembro, avisou a dois amigos próximos que pretendia chamá-los para a equipe. Teve tempo, portanto, para um plano de ação no BNDES. Seu discurso de posse mostra que, como esperava Lula, não o desperdiçou.

No plano macroeconômico, Coutinho mostrou estar atento aos efeitos da enorme liqüidez internacional, que, se de um lado cria oportunidades inéditas de financiamento e apoio às empresas, pode gerar desequilíbrios e uma indesejável vulnerabilidade a súbitas mudanças de humor nos mercados.

Ele pretende “aumentar o incentivo à poupança, reduzir os custos de transação e aprofundar a liquidez dos mercados”. Quer também “lubrificar” os canais de arbitragem e de hedge, instrumentos financeiros para ampliar e garantir as estratégias de financiamento das empresas. Tudo isso, porém, terá de ter forte regulação do Estado, alertou Coutinho. Só assim, acredita ele, pode-se “prevenir a formação, no futuro, de bolsões de alto-risco e de alta-alavancagem geradores de riscos sistêmicos”. Traduzindo: sem acompanhamento, alguns setores podem endividar-se demais, quebrar, e, por sua importância, todo o país seria chamado a pagar a conta.

Para cada setor presente à posse, Coutinho apontou a direção a tomar, no segundo mandato Lula. Assegurou o apoio aos setores mais competitivos, “commodities e pseudo-commodities”, como as cadeias de mineração, siderurgia, metalurgia de não-ferrosos, celulose, papel e petroquímica e a agroindústria, incluídos o álcool e os biocombustíveis. Enfatizou a necessidade de “promoção de empreendimentos claramente competitivos, abertos, voltados ao mercado mundial” nos setores baseados em tecnologia de comunicação e informações, onde inclui desde a digitalização de equipamentos médicos à TV e a microeletrônica.

Bens de capital (máquinas e equipamentos para a indústria) terão políticas também para estimular a produção, no Brasil, de empresas transnacionais. No setor farmoquímico, quer a “produção competitiva de medicamentos relevantes”, fortalecer “financeira e tecnologicamente” empresas de capital nacional, estimular investidores estrangeiros e aproveitar o potencial da biodiversidade. Coutinho mostrou ainda idéias para o setor automotivo, o setor de serviços, o de logística e os grandes complexos industriais, como o de gás e petróleo. Afina-se com as cabeças no Palácio do Planalto, e credenciou-se como interlocutor preferencial para desenvolvimento no governo Lula.

Seria erro grave, porém, dispensar a interlocução do ministro Miguel Jorge, que detém, no ministério, instrumentos importantes na condução da política de comércio exterior. O drama de Jorge é que Lula lhe pediu para tratar prioritariamente do mercado interno, e não do externo. Os principais mecanismos e especialistas, para isso, estão no BNDES. Coutinho, aliás, será de grande ajuda ao ministro, pois também tem os argumentos para mostrar a Lula que não há, hoje, como dissociar os dois mercados.

Sergio Leo é repórter especial em Brasília e escreve às segundas-feiras

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