Nas suas excelentes palestras e publicações, o professor da Faculdade de Medicina da USP Paulo Saldiva, membro da Organização Mundial de Saúde, vem reclamando insistentemente a necessidade de o governo brasileiro elaborar uma política energética que contemple com prioridade o meio ambiente e a saúde da população. Por exemplo, para ele, a recente decisão de diminuir o percentual da mistura do etanol anidro à gasolina automotiva extraída do petróleo, de 25% para 20%, acarretará gravíssimos problemas e consequências desastrosas aos habitantes, mui especialmente os dos maiores municípios do País. Salienta o chefe do conceituado laboratório de poluição da principal universidade da Nação que: “O maior efeito será sobre o ozônio, gerado na atmosfera, a partir das partículas voláteis que os carros emitem”. Conforme o conceituado pesquisador, a decisão de menor mistura do etanol à gasolina provocará o aumento de cerca de mais 500 internações anuais por enfermidades respiratórias e cardiovasculares, tão-só na capital paulista. A estimativa do custo desse atendimento médico e hospitalar é da ordem de US$ 1 milhão.
A curva da mortalidade aumenta sempre que ocorrem picos na poluição. Outro estudo do aludido centro de pesquisas calcula qual seria o eventual prejuízo à saúde da população, se houvesse a substituição integral do etanol consumido na metrópole de Anchieta. Na hipótese, teríamos, anualmente, perto de 300 mortes e 17 mil internações. Se passássemos a empregar gasolina pura, sem a aditivação de etanol, além de obtermos um combustível de menor qualidade a repercussão seria ainda mais desastrosa, resultando em cerca de 25 mil, internações nos hospitais e em torno de 500 falecimentos. Com a mistura menor do etanol ao derivado do petróleo haverá também acentuados impactos ambientais e reflexo no aquecimento global, decorrente do crescimento do dióxido de carbono da atmosfera. A cada 1% de etanol anidro que se deixa de misturar, 20 milhões de litros têm que ser substituídos pela gasolina.
Consoante a Cetesb, após a generalização do uso dos carros a álcool eliminou-se, praticamente, a concentração do chumbo (Pb) na atmosfera resultante das emissões de veículos a gasolina. O chumbo (Pb) era adicionado à gasolina a fim de aumentar a octanagem desse derivado do petróleo. Até há poucos anos, a cada litro de gasolina acrescentava-se em torno de 1 g de PB, esse metal afeta, principalmente, o sangue, o sistema nervoso, os rins e o aparelho gastrointestinal. É incontestável que, dentre todas às novas atividades humanas derivadas da evolução industrial, o consumo de combustíveis fósseis encontra-se na origem da maior parte dos impactos ambientais negativos.
Não obstante, o grande obstáculo ao emprego de combustíveis mais limpos, como o etanol, é decorrente, hoje, do seu maior custo em relação às fontes convencionais. Desta forma, torna-se forçosa a adoção de políticas governamentais de fomento aos energéticos renováveis e ecológicos, com o financiamento das lavouras e estocagem do álcool, induzindo o retorno dos investimentos a fim de atender à crescente demanda dos mercados interno e externo. Passamos a conviver com um sério dilema, quando o ano safra de 2012/13, igualmente, não será animador. Para o professor Plínio Nastari, da Datagro Consultoria, a safra de cana-de-açúcar atual é o reflexo do ocorrido no triênio anterior. A crise de 2008 reduziu o capital de giro dos produtores do açúcar e do álcool, derrubando a taxa de renovação dos canaviais, tornando-os mais velhos e menos produtivos.
Diante da produção canavieira menor, a liderança do Brasil no ranking do menor custo de produção da gramínea deixa de ser exercida e à frente do Brasil já se encontram nações como África do Sul, Austrália e Tailândia. O fato tem incentivado até a indústria do açúcar de beterraba na Europa, que estava adormecida, há perto de uma década. Ademais, consoante a Única, de 2005 para cá, os custos de produção da cana cresceram cerca de 40% – de R$ 42 por tonelada para R$ 60. Isto decorre, preponderantemente, da alta incidência de tributos, aumento do preço das máquinas e insumos, bem como, dos salários do setor. Diante dessa conjuntura, o preço do álcool já atingiu, na 1ª quinzena de setembro deste ano, R$ 2,10 por litro.
Não bastasse o mencionado, ao decidir pela diminuição da mistura do etanol à gasolina, a Petrobras necessitará, obrigatoriamente, importar mais gasolina, quando o preço deste derivado no mercado externo é bem maior do que o praticado no interno brasileiro, em virtude da política adotada pelo Estado, receoso que a correção do valor nas bombas repercuta nos índices inflacionários. Estima-se que haverá a necessidade, doravante, da importação de 550 mil barris mensais de petróleo, nos próximos seis meses, a um custo adicional de R$ 27 milhões por mês. É oportuno recordar que o Proálcool, aprovado em 1975, teve sua origem nos chamados impactos da dependência externa existente à época das importações do petróleo, quando o saldo da balança comercial passou a ser negativo. Na primeira fase, o programa se baseara, sobretudo, na produção do álcool anidro para a mistura na gasolina, além de preservar a indústria automobilística.
É incontestável que o brasileiro quer o seu automóvel e a sua fabricação, entre nós, é geradora de desenvolvimento econômico. Em suma, os dois objetivos atingiram os seus propósitos estratégicos e sociais, o que, agora, está suscetível de risco. Não obstante, não se justifica julgar a racionalidade da indústria alcooleira em função de variáveis aleatórias. Como dizia o ministro Camilo Penna, o programa tem uma força de inércia muito grande e não pode ser desencadeado, interrompido ou reativado, conforme a maior ou menor oferta da cana de açúcar ou das variações do petróleo, hoje em torno de 100 dólares por barril. O que interessa é a imprevisível conjuntura mundial como um todo e a certeza de que as reservas de combustíveis fósseis são finitas.
Luiz Gonzaga Bertelli