Mercado

Meio-Oeste americano escapa da crise

Para encontrar nos EUA um lugar onde o desemprego não é problema, onde ninguém está muito interessado se o mercado imobiliário continua na penúria ou se o índice Dow Jones da bolsa em Nova York desmorona, uma boa opção é tomar a highway 169 a partir de Mineápolis, no Estado de Minnesota, e seguir em direção ao sul até o condado de Le Sueur. É aqui, numa região plana dominada por fazendas de milho e soja, que está um dos poucos setores da economia americana que prospera, atrai investimentos e faz o dinheiro girar.

Com os preços dos grãos nas alturas, os fazendeiros de todo o bolsão agrícola no Meio-Oeste dos EUA têm se mantido praticamente isolados da desaceleração e das incertezas que atingem um pedaço expressivo da economia do país.

“Atualmente, quem produz grãos é quem está se dando melhor no setor agrícola e a agricultura, por sua vez, é o setor que está se dando melhor na economia americana”, diz David Pfarr, dono de uma fazenda na região, onde planta milho e soja. Pfarr está há 30 anos trabalhando na propriedade e diz que para quem vive no campo, este “é um dos bons momentos, particularmente por causa dos preços das commodities”. Além do mercado asiático, a demanda por milho, em especial, é alimentada pela produção local de etanol.

Este ano, pela primeira vez na história, a receita do agronegócio americano vai superar os US$ 100 bilhões

O preço do milho aqui está em US$ 6,5 por bushel (aproximadamente 25 quilos) e o da soja, US$ 12,74 por bushel. “É uma loucura pensar que há não muitos anos o milho estava a US$ 2 e como os preços subiram tão rapidamente”, disse Pfarr enquanto tomava uma caneca de café, ao lado da mulher, Robyn, na cozinha da casa da fazenda onde vivem. Os dois têm 48 anos e quatro filhos. E receberam o Valor na semana passada para contar qual é a visão da economia americana que se tem daqui do chamado cinturão do milho.

Junto com seu irmão, Daniel, Pfarr e Robyn têm e administram uma fazenda de 1.200 acres, dos quais aproximadamente 800 estão produzindo milho e 400, soja. A expectativa deles é que este ano só o milho renda cerca de US$ 850 mil e a soja, cerca de US$ 200 mil.

“Estamos otimistas, estamos capitalizados e não temos muitas dívidas. Muitos produtores com quem trabalhamos estão numa situação parecida: bem capitalizados, crescendo, satisfeitos e investindo em tecnologia, em gestão das fazendas e na contratação de boa mão de obra.”

Este ano, pela primeira vez na história, a receita do agronegócio americano vai superar a marca dos US$ 100 bilhões por causa da alta dos preços. Segundo previsão apresentada no mês passado pelo Departamento de Agricultura, o setor deve gerar uma receita de US$ 103,6 bilhões em 2011, 31% a mais do que no ano passado. O avanço, diz o estudo, deverá se dar muito em função da disparada na cotação dos grãos. Em 12 menos, a cotação do milho simplesmente aumentou 70%.

Abel Ponce de León, diretor associado da Faculdade de Alimentos, Agricultura e Recursos Naturais da Universidade de Minnesota explica assim a situação dos fazendeiros americanos: “Neste momento, a desaceleração da economia dos EUA e os temores de uma nova recessão não são sentidos pelos fazendeiros. A agricultura está muito melhor que outros setores por causa dos preços puxados pela demanda mundial de grãos, em especial, e porque ainda não há uma superoferta. E há a produção de etanol, que está crescendo”, disse ele, na sua sala no campus da universidade em St. Paul, capital do Minnesota.

Além do mercado asiático, a demanda por milho, em especial, é alimentada pela produção local de etanol

Assim como muitos dos 80 mil fazendeiros de Minnesota – na maioria, famílias que possuem em média áreas entre 200 acres e 300 acres -, Pfarr tem aproveitado os preços favoráveis e a demanda aquecida para investir em suas propriedades. Só este ano, Pfarr já gastou US$ 600 mil em novos tratores, em plantadeiras mais sofisticadas, em equipamentos para melhor mapear quais setores de suas terras precisam mais desse ou daquele fertilizante. “Fazendeiros compram equipamentos feito loucos”, diz Pfarr, que nasceu e cresceu na região e que seguiu os passos do pai na fazenda.

É uma disposição que destoa num cenário em que os setores industrial, de serviços e o mercado imobiliário têm gerado muito menos apetite por investimentos. E num momento em que a confiança dos consumidores americanos anda esmorecida afetada pelo desemprego de 9,1%.

No campo, diz Pfarr, as coisas são diferentes. “Ponha dinheiro na mão de um fazendeiro do Meio-Oeste americano e ele vai investir em maquinário, em implementos e em melhorias da propriedade”, diz ele enquanto mostra parte de suas máquinas num galpão perto da casa da família.

Minnesota é um dos Estados de peso do agronegócio americano. O setor movimentou US$ 23 bilhões segundo relatório do ano passado do Departamento de Agricultura estadual e responde por cerca de um quinto da economia do Estado. As exportações chegaram a US$ 5 bilhões, um crescimento de 22% em relação ao ano passado. China, Japão, México e Canadá são os maiores clientes estrangeiros do agronegócio local. O setor, no entanto, não é um grande provedor de vagas de trabalho no Estado. No ano passado, gerou 340 mil empregos. O índice de desemprego no Estado está em 7%.

Soja e seus produtos responderam por 43% das vendas externas da agricultura no ano passado, seguido por outros grãos usados na alimentação animal e carnes e laticínios.

Além da demanda global de grãos para alimentação humana e para a produção de ração animal, produtores de milho, em particular, como Pfarr, tem no etanol uma fonte de renda chave. Uma lei estadual determina que a gasolina vendida aqui tenha uma mistura de 10% a 15% de etanol feito de milho. É uma política que tem permitido a expansão dos plantios de milho e a multiplicação de usinas pelo Estado. O último balanço do Departamento de Agricultura afirma que são 21 usinas com capacidade de produção de 1,1 bilhão de galões.

Pfarr lembra que o mercado do etanol mudou tanto a dinâmica da região que muitos produtores se referem a ele como o “milagre de Minnesota”. “Todo mundo entende a importância das políticas de incentivo ao etanol. É uma revolução. Nada mais importante aconteceu nos últimos 50 anos no setor agrícola no Estado do que as plantas de etanol.”

“Temos um mercado atualmente que nunca tivemos. Hoje, 40% do nosso milho vai para a produção de etanol. Era talvez 1% há 20 anos”, diz David Pfarr, que é dos diretores da Associação de Produtores de Milho de Minnesota. Muitas das usinas no Estado pertencem aos próprios fazendeiros por meio de cooperativas ou por meio de cotas que garantem a eles uma determinada quantidade de milho a ser vendida a cada safra. Pfarr e o irmão têm uma participação em uma planta perto da fazenda.

Os EUA devem superar este ano o Brasil como exportadores de etanol, vendendo para outros países cerca de 2 bilhões de litros e tornando-se líder mundial. O Brasil deve exportar até 1,6 bilhão.

O aumento do poder de compra em muitos países de economias emergentes – liderados pela China – é um fator diretamente ligado ao sucesso dos produtores de grãos e os de carne de porco e bovina do Meio-Oeste americano. A demanda global por energia também. “Sabemos do apetite do mundo por energia e isso faz a diferença para a gente aqui”, diz Pfarr. Isso porque o preço do bushel do milho está muito atrelado ao preço do petróleo. “Os preços do milho e do petróleo se movem juntos”, diz ele.

Essa forte vinculação do setor agrícola com a economia global é uma virtude num momento em que os EUA têm dificuldade para se desvencilhar da sombra de uma nova recessão, mas ao mesmo tempo carrega seus riscos.

Por quanto tempo a bonança perdurará para os agricultores? O que esperar de 2012? “É um pouco incerto para todos aqui porque ainda temos de ter uma demanda mundial aquecida para escoar nossos produtos. E, se o cenário econômico piorar, quem vai pagar quase US$ 7 o milho e US$ 13 a soja?”, se pergunta Pfarr, que é formado em agronomia e se divide entre a fazenda e o emprego na Pioneer, uma empresa do setor agrícola da DuPont.

As incertezas já produzem ao menos um efeito no campo, diz Pfarr. As cooperativas têm pressionado os fazendeiros a fecharem contratos antecipados para a compra de fertilizantes por medo de oscilações muito intensas. As cooperativas compram parte dos fertilizantes de Canadá, Rússia e Ásia e, diz Pfarr, têm manifestado basicamente temor de comprar carregamentos antes da temporada de preparação do plantio e encontrar um mercado desacelerado na hora de vender.

Para Pfarr e muitos de seus pares em Minnesota, as incertezas econômicas tendem a se refletir nas eleições do ano que vem. “Não vejo o atual governo como inimigo do setor do etanol, mas há setores que têm defendido que nós deveríamos andar com nossas próprias pernas [sem os estímulos públicos ao setor]”, diz. Mas, acrescenta ele, “os fazendeiros, como grupo e eu também, somos bastante conservadores”, o que no quadro político-partidário americano significa votar no Partido Republicano, de oposição ao presidente Barack Obama. “Os americanos não têm muita paciência e em geral culpam o governo federal pela condição da economia. E a perspectiva econômica não é favorável para o atual presidente”, diz Pfarr, repetindo uma visão que segundo ele encontra ressonância no campo sobre as eleições de 2012, nas quais Obama tentará um segundo mandato.

Mas, por enquanto, Pfarr, assim como grande parte das famílias que vivem do agronegócio nos EUA, continua surfando nos altos preços. “Não estamos totalmente isolados [da situação de desaceleração da economia americana] porque temos família, amigos, somos parte da sociedade e vemos as dificuldades das pessoas que estão desempregadas ou subempregadas. Mas a nossa situação e a situação econômica geral dos fazendeiros neste momento faz com que nos sintamos um dos poucos setores que vai bem”, diz Pfarr.

O repórter viajou a convite do Departamento de Estado dos EUA