Foi-se o tempo em que apenas as mudanças no clima, as pragas ou a expectativa de consumo determinavam o valor de uma saca de soja ou de café. Outro protagonista, totalmente estranho ao que acontece nas lavouras, tem exercido um poder cada vez maior na formação do preço dos produtos agrícolas — os fundos de investimentos instalados em escritórios de grandes cidades de todo o mundo. Nos últimos anos, esses fundos têm colocado cada vez mais dinheiro em bolsas que negociam contratos atrelados a commodities — e entre elas estão diversos produtos agrícolas importantes para as exportações brasileiras, como soja, açúcar, café e algodão.
Apenas os recursos aplicados pelos fundos especializados em mercados futuros romperam a casa dos 100 bilhões de dólares no ano passado. Até o terceiro trimestre, as aplicações já tinham somado 117,7 bilhões — um crescimento de 36% em relação a todo o ano de 2003. “Isso está provocando uma supervalorização de vários indicadores de commodities, que, por sua vez, atraem ainda mais investimentos, que levam a mais valorizações”, diz Michael McDougall, vice-presidente da mesa de operações para a América Latina da Fimat Futures em Nova York, uma das maiores corretoras de futuros do mundo, ligada ao grupo francês Société Générale. Esse mecanismo é exatamente aquele que costuma levar à formação de bolhas como a da internet, que estourou em 2000, e a de imóveis no Japão, nos anos 80. “Haverá um momento em que a realidade dominará a cena e a derrocada das commodities poderá ser tão drástica quanto as de outros investimentos considerados brilhantes”, diz McDougall. “Podemos estar assistindo à formação de uma nova bolha.”
No mundo das commodities, os minérios e o petróleo sempre foram as estrelas. Mas, com as previsões de aumento de demanda por alimento nos próximos anos em mercados emergentes, como a China, os papéis de produtos agrícolas estão sendo cada vez mais procurados, bem como as ações de agroindústrias ou títulos ligados a índices que reúnem várias matérias-primas. No ano passado, por exemplo, a maior alta entre todas as commodities foi registrada pelo açúcar, que fechou o ano com uma elevação de 58,6%.
Os fundos intensificaram suas apostas nas bolsas de mercadorias e de futuros, sobretudo de quatro anos para cá, depois de perder dinheiro no estouro da bolha da internet e com os escândalos financeiros como o da Enron e da WorldCom. Diante da queda consistente do dólar e do gigantesco déficit americano, a maioria dos inves tidores não vê um cenário empolgante para os investimentos tradicionais, como títulos públicos ou câmbio.
Como aconteceu na bolha da internet, desta vez também há gente que defende que as commodities são um novo Eldorado financeiro. Surgiram nos últimos anos mais de 400 consultores especializados apenas em negociar contratos de commodities. Entre eles está o investidor americano Jim Rogers, ex-parceiro do mega-investidor George Soros. Sua aposta é que elas ainda vão subir muito. No livro Hot Commodities, recém-lançado nos Estados Unidos, Rogers ensina como gente comum pode investir em matérias-primas.
Essa euforia tem um efei to colateral imediato — a compra e a venda frenética de contratos futuros nas bolsas deixa as cotações das commodities muito mais instáveis. E o que ocorre nos pregões virtuais influencia a formação dos preços dos produtos no mundo real. “Os fundos são essenciais porque dão liquidez aos negócios e assumem riscos”, diz o economista Fabio Silveira, sócio-diretor da MSConsult Economia & Negócios, especializada em agronegócio. “Mas podem colocar ou tirar uma grande quantidade de recursos do setor num piscar de olhos, turbinando as altas e as baixas.”
As transações no mundo virtual das bolsas estão começando a interferir num mercado em que os verdadeiros agentes são os produtores, atacadistas e a agroindústria. Veja o que houve com a soja. O preço do grão começou a subir em 2000 e atingiu seu pico no primeiro semestre do ano passado. “Havia uma expectativa, baseada em dados concretos, de quebra de safra na América do Sul e de aumento de demanda na China”, diz Silveira. “Os fundos apostaram que a China faria uma compra espetacular e ajudaram a turbinar as cotações para muito além do que seria razoável.” Em março, a saca de 60 quilos bateu no equivalente a 23 dólares na bolsa de Chicago. Foi quase o dobro da média histórica dos últimos 15 anos. “Ocorreu uma bolha de preço na soja”, diz Mauro Osaki, do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz.
A China não fez o que o mercado esperava, o Brasil e os Estados Unidos preparam supersafras e a soja perdeu o encanto para os investidores. O grão acumulou queda de 32,5% no ano passado. A maioria dos agricultores brasileiros que acreditaram nos superpreços agora está retendo o produto, na esperança de elevar as cotações. “Durante a febre, o produtor se entusiasmou demais e investiu muito dinheiro em tratores e colheitadeiras, e agora não quer perder”, diz Osaki. “Mas achar que os preços vão voltar ao patamar do ano passado é não aceitar a verdade do mercado, pois aqueles valores eram simplesmente irreais.” Trata-se de um cenário totalmente novo para o setor. “O agricultor agora precisa aprender a desconfiar de preços exagerados”, diz José Vicente Ferraz, diretor da FNP Consultoria, especializada em agronegócio. “Senão, pode embarcar em canoa furada.”