Freqüentemente, barreiras não-tarifárias são mais prejudiciais às exportações brasileiras do que impostos convencionais. Recentemente, quando a Organização Mundial de Comércio (OMC) julgou irregular o protecionismo europeu no mercado do açúcar, os produtores da União Européia recorreram a novas formas de proteção, principalmente à criação de barreiras não-tarifárias – fitossanitárias, ambientais e sociais.
Muito em função disso, representantes do setor sucroalcooleiro realizaram, dia 10 de novembro, workshop sobre o mercado setorial de trabalho na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), em Piracicaba. Na apresentação do evento, falava-se na busca de resolução do dilema entre crescimento, geração de emprego e bem-estar social no complexo agroindustrial canavieiro. Entre outros motivos porque as novas características desse agronegócio, como a diversificação da produção, a diferenciação de produtos, as melhorias tecnológicas, fusões e aquisições têm diferentes conseqüências em termos de criação de emprego e renda nas principais regiões produtoras.
Alguns números referentes à situação dos trabalhadores na cadeia sucroalcooleira são inesperados, a exemplo dos levantados em pesquisa para o Banco Mundial (Bird) feita pela professora Márcia Azanha Dias de Moraes, do Departamento de Economia, Administração e Sociologia da Esalq. Do ponto de vista da legislação, diz a especialista, no Brasil ela é abundante e detalhada. Além da CLT, há leis específicas para o setor rural, cujos sindicatos de trabalhadores fazem acordos coletivos com as usinas, como manda o figurino. Márcia, porém, admite que, na prática, as coisas correm bem mesmo é no Estado de São Paulo, cujas representações sindicais dos trabalhadores, a seu ver, são extremamente organizadas. “De 1997 em diante, têm havido negociações formais no Estado e, de acordo com os sindicatos de trabalhadores, os acordos vêm sendo cumpridos”, diz a especialista.
“A nossa posição em relação a questões trabalhistas é clara: que se cumpra a legislação, bem como as condições pactuadas nas convenções e ou acordos coletivos de trabalho aplicáveis ao setor sucroalcooleiro”, endossa a advogada e consultora da União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Unica) para a área sindical, Elimara Aparecida Assad Sallum.
Assim, é surpreendente que, na agricultura canavieira de São Paulo, 90% dos empregados tenham carteira assinada, segundo dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS). “De acordo com os sindicatos dos trabalhadores, no Estado os problemas são mínimos”, constatou Márcia de Moraes. No ano passado, havia 449 mil trabalhadores na cana-de-açúcar, dos quais 70% com carteira assinada; no Norte e Nordeste, 261,3 mil, 59% no mercado formal; 187,6 mil no Centro-Sul, 83% enquadrados na CLT; 124,5 mil em São Paulo, 88,5% deles com carteira de trabalho assinada. Em comparação com 1992, o contingente de empregados com carteira na lavoura canavieira diminuiu 33%, o que a especialista da Esalq atribui ao avanço tecnológico, à proibição de queimadas, às legislações trabalhista e ambiental. Tudo isso, porém, redundou em ganhos de competitividade, avalia. Hoje, em São Paulo, praticamente toda a atividades de plantio, corte, carregamento e transporte de cana é mecanizada. Já 40% da colheita está mecanizada na região de Ribeirão Preto e cerca de 20% na região de Piracicaba.
Tanto os dados levantados por Márcia como os apresentados no workshop pelo professor Rodolfo Hoffman, também da Esalq, confirmam que a situação geral de renda e anos de estudo é melhor no Centro-Sul do que no Norte-Nordeste, assim como a indústria, sobretudo a alcooleira, paga melhor e tem maior contingente de pessoal qualificado. O rendimento e os anos de escolaridade são maiores na indústria do álcool do Centro-Sul. Quanto à concentração de renda (Índice de Gini), mostra Hoffman, com dados da PNAD, é mais acentuada no segmento açucareiro do que no de álcool, enquanto a lavoura canavieira, que emprega o maior contingente de empregados do complexo, e com o rendimento mais baixo, é o de menor concentração de renda. Um paradoxo quando comparado o Índice de Gini de cada setor de atividade econômica, já que a concentração de renda na agricultura (0,567) é mais elevada do que a do país (0,554), a da indústria e a do setor de serviços.
Mesmo o quadro não sendo desanimador – apesar de São Paulo não ser o Brasil – Márcia de Moraes destaca a necessidade de requalificação da mão-de-obra, especialmente na lavoura. E, ainda que as relações formais de trabalho venham se tornando menos precárias, ela considera inadmissível, em 2004, a existência de trabalho escravo, ou análogo. Observa, porém, que é preciso caracterizar corretamente o que são condições inadequadas de trabalho e cita Patrícia Audi, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que afirma que na lavoura de cana não existe trabalho escravo. “As usinas e grandes plantadores seguem as leis, mas o mesmo não acontece nas pequenas propriedades.”