Mercado

Mais álcool e mais petróleo

O presidente da Sondotécnica, Jaime Rotstein, alerta para a necessidade de o Brasil agarrar as oportunidades atuais na expansão da produção do álcool combustível e do petróleo para se proteger das oscilações de preços no mercado internacional. Um dos pais do Proálcool, considerado uma das maiores autoridades do País em energia, o engenheiro defende que se busque a liderança brasileira na produção de álcool, sem mudanças nesta estratégia por eventuais altas no preço do açúcar no mercado internacional. A melhor opção para o Brasil enfrentar o aumento do consumo mundial e um quinto choque do petróleo, segundo ele, é a construção, nos próximos anos, de quatro refinarias capazes de refinar óleo bruto. Caso a produção não fosse toda consumida pela demanda interna, o País poderia exportar derivados.

– O cavalo encilhado, quando passa na porta, ou a gente pula nele ou não sabe quando, ou se, ele voltará a passar. Ele está passando na nossa porta, tanto no álcool quanto no petróleo e derivados. É uma questão de evitar a miopia na visão das circunstâncias – afirma, acrescentando que o Brasil é um dos poucos países do mundo que têm duas formas de se proteger de choques futuros.

Rotstein, cuja empresa, a Sondotécnica, acaba de fazer 50 anos, destaca que, na conquista do álcool brasileiro pelo mercado internacional, é fundamental mostrar que o País é um produtor confiável. “Caso contrário, existirá o temor de redução na produção se o açúcar ficar em uma posição melhor no mercado internacional. O País tem que transmitir confiança de que pode tomar compromissos de fornecimento.”

JORNAL DO COMMERCIO – O Brasil teve produção de álcool recorde no ano passado. Qual é a perspectiva para a demanda interna este ano? Jaime Rotstein – O álcool sempre foi subordinado ao açúcar, ou seja, oscilou em função do preço do açúcar no exterior. No momento, tendo o petróleo subido bastante de preço, tornou-se um excelente negócio produzir álcool, talvez até melhor do que exportar açúcar. Mas sempre corremos o risco de o processo se reverter em uma eventual queda de preço do petróleo. O álcool tem um passado de certo descaso em função dos interesses conflitantes em termos econômicos e um futuro que vai depender de uma estratégia governamental.

Hoje em dia, tenho muita alegria quando ouço falar em motor flexfuel, mas tudo isto está proposto em meus livros e em documentos que encaminhei ao Governo há dez anos. Esta política, se incrementada, vai permitir que o consumo interno se restabeleça, se não for prejudicada por uma queda do petróleo, que não é previsível a curto prazo e médio prazo.

E o cenário do petróleo?

– O mundo aumentou em 16% o consumo de petróleo, apenas a Argentina registrou queda. No primeiro choque do petróleo, o preço do barril passou de US$ 3 para US$ 11. No segundo, aumentou de US$ 11 para mais de US$ 30 e no terceiro choque, caiu de volta para US$ 15, US$ 16. O quarto choque foi a alta para mais de US$ 50. O quinto choque será no médio prazo porque o consumo de petróleo crescerá assustadoramente se não houver medidas adequadas.

Vamos precisar de algo como 8 milhões de barris de petróleo de produção nos próximos oito ou dez anos. Só que não é questão fácil de ser resolvida. O petróleo marcha para seu grand finale no Golfo Pérsico, com 65% das reservas em uma zona de conflitos políticos, religiosos e militares. O preço pode ir a US$ 80 no quinto choque do petróleo.

O que pode ser feito?

– O mundo não está preparado para refinar mais petróleo. Quando se começou a admitir que refino era um mau negócio e havia excesso de capacidade, o perfil do refino se sobrepõe ao perfil do consumo mundial. Vamos precisar de umas 40 refinarias novas no mundo, com capacidade de 200 mil barris por dia.

E no Brasil?

– O País tem uma situação excepcional, que não está sendo compreendida de forma correta. O País produz petróleo pesado. E como membro do Conselho da Petrobras, de março de 1999 a março de 2002, eu me bati muito para que o Brasil, já que tem petróleo pesado, refine petróleo pesado.

Um estudo feito por um consórcio da Sondotécnica, Andrade Gutierrez e a Kellogg Brown&Root mostra a viabilidade de uma refinaria no Rio, para refino de 100% de petróleo pesado e produção de 60% de diesel, contra 37% das outras.

O Brasil terá um excedente de 800 mil barris de petróleo pesado em dez anos. Se forem construídas quatro refinarias, o que seriam investimentos de cerca de US$ 12 bilhões, é possível refinar este petróleo pesado.

Se o consumo interno aumentar via crescimento do PIB, a produção segue para consumo interno. Se o consumo não crescer na velocidade que se poderia esperar, o mercado externo estará ávido de derivados e nós exportaremos derivados ao invés de exportar petróleo pesado.

Algumas pessoas muito respeitadas defendem que isso vai baixar o volume de petróleo no Brasil. Só que é fundamental gastar em exploração e, se não exportar, não tem esses recursos.

Vamos admitir um cenário catastrófico. Considerando que nossas reservas de petróleo caiam e não se faça novas descobertas. O que fazer? Importar o produto bruto de países como a Venezuela e refinar.

Como aproveitar a oportunidade do álcool?

– A grande política de Governo é definir que o álcool é um energético. É preciso determinar que existe uma produção de cana-de-açúcar com determinadas vantagens de financiamento diferente do açúcar, mas isto significa uma produção de cana comprometida exclusivamente com a produção de álcool, mas não teoricamente. Acredito que a visão estratégica se choca com a visão tática.

O cavalo encilhado, quando passa na porta, ou a gente pula nele ou não sabe quando ou se voltará a passar. Ele está passando na nossa porta, tanto no álcool quanto no petróleo e derivados. É uma questão de evitar a miopia na visão das circunstâncias.

Hoje estamos enfrentando a crise de petróleo, e os chineses diziam que o ideograma de crise era boa oportunidade. Se entendermos como aproveitar as oportunidades, prestaremos um grande serviço ao Brasil. Esta é a doação divina mais generosa feita ao País: sol, água, terra, ausência de sismos e a possibilidade de, juntando esses fatores, produzir energia renovável que gera muito emprego. O que estamos esperando?

O Brasil é o país que tem hoje duas formas de se proteger. E poucos países do mundo têm isso. A primeira é instalando refinarias para refinar o petróleo pesado e não depender de importar petróleo. A segunda é se tornando um gigantesco produtor de álcool, abrindo novas fronteiras agrícolas, com geração de empregos.

Mas o Proálcool recebeu muitas críticas…

– Houve uma série de resistências. Em primeiro lugar, dos ambientalistas. Em certo momento tinham razão por causa do vinhoto. Quando isso se resolveu, a resistência passou a se vincular com o amor à Petrobras, o espírito nacionalista e a visão da exploração do homem pelo homem no campo. Mas hoje isso estaria superado.

A segunda resistência era das companhias de petróleo em relação a produtos alternativos. Elas só querem que termine a economia do petróleo quando for vendido o último vidro no leilão do Christie”s. Além disso, os produtores internacionais de motor diesel temiam que o motor fosse abandonado ou tivesse a comercialização prejudicada pelo motor ciclo oto (álcool, gás e gasolina).

Quais seriam as características dessa política?

– A política que recomendo é a intervenção do Estado como facilitador e financiador de projetos efetivamente de produção de álcool, garantindo que o álcool se torne um energético desvinculado da commodity açúcar. Pela importância que o álcool tem e vai assumir, seria interessante criar uma agência reguladora capaz de gerenciar este contexto sem intervenção política.

Além disso, oferecer as facilidades possíveis a países e grupos estrangeiros que queiram comprar ou produzir álcool no Brasil. Vai haver muita reação, mas o grande desafio é criamos uma situação em que eles possam produzir aqui e exportar. Temos que tomar cuidado porque a África, que morre de fome, tem países como Moçambique que podem se tornar grandes produtores de álcool.

Qual é a importância da diferenciação na produção do açúcar para álcool?

– A diferenciação é fundamental porque o ser humano é fraco. Se o açúcar der mais lucro, vai produzir mais açúcar e menos álcool. Somente um equacionamento perfeito pode permitir que o País seja um grande produtor de álcool confiável. Caso contrário, existirá o temor de redução na produção se o açúcar ficar em uma posição melhor no mercado internacional. O País tem que transmitir confiança de que é um produtor firme de álcool, em volumes previstos e crescentes, e que pode tomar compromissos de fornecimento.

Proálcool foi criado pelo Governo em 1975

O Programa Nacional do Álcool (Proálcool) foi criado em 1975 para enfrentar as conseqüências do primeiro choque do petróleo, ocorrido dois anos antes. O Brasil importava, então, 80% do petróleo que consumia. Para se ter uma dimensão do impacto do choque, basta observar que de 1973 para 1974 as despesas com a importação de combustível pelo Brasil saltaram de US$ 600 milhões para mais de US$ 2 bilhões.

O uso do álcool da cana-de-açúcar como combustível foi uma das soluções encontradas para amenizar os efeitos do choque. Com apoio do Banco Mundial (Bird), o Governo incentivou o aumento da área plantada com cana-de-açúcar, a construção de novas usinas e o desenvolvimento de indústrias de caldeiraria, além da ampliação das já existentes.

O programa parecia estar dando certo, tanto que em 1984 os carros a álcool já representavam 94,4% da produção das montadoras. O álcool era vendido por preço bem inferior ao da gasolina, compensando, com folga, o fato de seu consumo por quilômetro ser maior. Em 1985, contudo, começou a deterioração do programa. Com os preços do açúcar no mercado internacional oferecendo bons lucros, as usinas acabaram usando a cana para fazer este produto e exportá-lo. Começaram as crises de abastecimento que terminaram por deixar o consumidor desconfiando quanto à garantia de fornecimento do combustível. A derrocada foi rápida: em 1989, os carros a álcool já eram apenas 61% da produção das montadoras. No ano seguinte, esta fatia caiu para 19%. Em 1996, somente 0,3% dos carros fabricados eram movidos a álcool.