O presidente Luiz Inácio Lula da Silva rebateu ontem as críticas que vinculam a elevação do preço dos alimentos à prioridade dada para a produção agrícola voltada para a produção do biocombustível. “Essa questão de confronto entre biocombustíveis e alimento eu não aceito”, afirmou.
Ao ser questionado sobre avaliação de entendidos sobre as conseqüências do biocombustível no preço dos alimentos, o presidente reagiu: “Entendidos em termos. Muitas vezes são palpiteiros. É muito fácil alguém ficar sentado num banco na Suíça dando palpites no Brasil e na África. É importante vir aqui e meter o pé no barro para saber como a gente vive, a quantidade de terras que temos e o potencial de produção que temos”.
A produção de biocombustíveis vem recebendo, nos últimos dias, críticas do Banco Mundial (Bird), Organização das Nações Unidas (ONU) e autoridades européias. O relator especial da ONU para o Direito à Alimentação, Jean Ziegler, chegou a classificar a produção de biocombustível como um “crime contra a humanidade”. Lula também criticou o Fundo Monetário Internacional (FMI) por opinar sobre a economia dos países pobres e, no entanto, não ter a mesma postura em relação à crise enfrentada pelos EUA. Segundo o presidente, os países ricos contribuiriam de forma extraordinária se tirassem o subsídio da agricultura. “Eu jamais iria aceitar qualquer tipo de política que fizesse a gente comer nafta e fazer combustível de soja”, rebateu. Na avaliação de Lula, o preço dos alimentos tem aumentado porque o “mundo não estava preparado para ver milhões de pessoas comerem três vezes por dia”.
E recomendou: “o que tem que fazer é, em vez de ficar chorando, produzir mais alimentos.” Ele lembrou que o Brasil pode oferecer muita coisa – pois tem 400 milhões de hectares preparados para agricultura e outros 60 milhões de hectares de pastos degradados que podem ser recuperados.
O presidente disse que está disposto a debater a questão de alimentos no mundo inteiro. Lula deu as declarações na 30ª Conferência Regional da ONU para Agricultura e Alimentação (FAO).
Condição de celeiro do mundo exige reformas, alerta ONU
A América Latina e o Brasil têm todas as condições de serem de fato os celeiros do mundo, mas precisam promover uma reforma profunda em sua estrutura agrária para acabar com a pobreza e a fome, além de garantir que o meio ambiente seja preservado. Os dados foram divulgados ontem em um relatório encomendado pelo Banco Mundial e pela ONU e que alerta que o modelo da agricultura brasileira não solucionou a crise social no País nos últimos 50 anos.
Quatrocentos cientistas e especialistas de todo o mundo fizeram parte do esforço de pesquisa e concluíram que os países latino-americanos usam apenas 25% da capacidade agrícola da região. O alerta é feito em meio a uma das maiores crises de alimentos no mundo nos últimos 30 anos. Para os especialistas, a reforma no setor agrícola será necessária para garantir a segurança alimentar da população latino-americana.
Segundo o levantamento, submetido aos diversos governos, entre eles o Brasil, a América Latina tem o maior estoque de terras aráveis do mundo, com 576 milhões de hectares. Isso representa 30% de toda terra arável do planeta, sendo que uma parte substancial está no País.
O problema, segundo os especialistas, é que essas terras estão concentradas nas mãos de poucos e não são usadas de forma eficiente. Para piorar, a produção agrícola é altamente poluente na região, afetando a disponibilidade de terras no futuro. A conclusão do levantamento é que, nos últimos 50 anos, o modelo agrícola da região trouxe poucos benefícios sociais e 54 milhões de pessoas ainda passam fome.
Os especialistas apontam que grande parte do problema viria da concentração de recursos e terras, que seria a mais grave entre todas as regiões avaliadas pelos especialistas. Apesar de ser uma potência agrícola, existem ainda na região 209 milhões de pobres.
Empresas vão pressionar EUA
para reduzir protecionismo
O Brasil ganha aliados inesperados pela liberalização do comércio agrícola mundial com a alta dos preços das commodities. Empresas de alimentos e até de tabaco dos Estados Unidos vão pressionar a Casa Branca nas próximas semanas para que aceite dar aos países emergentes maiores cotas para exportar produtos agrícolas ao mercado norte-americano.
O Itamaraty estima que esse é o melhor momento desde 2001 para que a Rodada de Doha seja concluída. A estratégia do governo é clara: fazer de tudo para que o atual cenário de lucros no setor agrícola seja perpetuado em um acordo na Organização Mundial do Comércio (OMC). A tese não é compartilhada pelos importadores de alimentos.
Nos Estados Unidos, o açúcar sofreu uma alta de 27% nos últimos 12 meses. “Queremos ter mais acesso à s commodities produzidas com custos baixos”, afirmou Marietta Bernot, executiva da Mars, maior empresa de chocolates do mundo e que depende do açúcar e cacau para fabricar seus produtos. “O problema é que o consumo de açúcar nos Estados Unidos é de 9 milhões de toneladas por ano e temos o direito de importar apenas 1,1 milhão de toneladas de países como o Brasil. Se essa cota fosse aumentada, nossos custos de produção cairiam”, afirmou a executiva.
Traders no Morgan Stanley ainda alertam que o preço do açúcar pode dobrar nos próximos dois anos diante da expansão do etanol pelo mundo e o uso cada vez maior da cana para o biocombustível. No início do ano, a FAO alertou que a Índia se tornaria a principal produtora de açúcar do planeta, superando o Brasil. Isso porque mais de 50% da cana no País seria destinada ao etanol. O problema é que os indianos ainda não conseguiram incrementar sua produtividade para conseguir abastecer o mundo com o açúcar que o Brasil deixou de vender. O resultado é uma alta nos preços internacionais.
Outro aliado brasileiro será a Philip Morris, produtora de cigarros e que compra seu tabaco do Rio Grande do Sul para suprir suas indústrias em muitas partes do mundo. “Nosso problema é que as cotas para o fumo brasileiro são pequenas. Se quisermos importar fora da cota, temos de pagar uma tarifa de 350%. Na prática, isso impede qualquer compra do produto que não esteja dentro da cota”, afirmou Len Condon, vice-presidente da Philip Morris. Ele também confirma que irá pressionar a Casa Branca por maiores cotas. “Essas restrições existem há 45 anos e não podem mais fazer parte da realidade comercial”, disse o executivo. Mas alerta que o lobby agrícola nos Estados Unidos é forte e que não há garantias.